Viagem ao Sul de França

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades... A festa do Natal que sempre teve para mim tanta importância, começa a perder a mesma por razões nem sempre perceptíveis, e assim sendo, por minha vontade teria iniciado a viagem mais cedo.
No entanto, porque o membro mais novo da família não nos queria acompanhar, talvez pelo mesmo motivo inicialmente assinalado, resolvemos viajar só após a celebração da Festa do Menino Jesus.
São poucas as pessoas que têm a sorte de poder viajar no Inverno, época da baixa temporada. A grande maioria dos viajantes tem que se contentar com datas nos meses de Verão. A verdade é que este tipo de viagens com a presença de frio, chuva, vento e por vezes até neve, não nos incomoda tanto quando passeamos, como se estivéssemos a trabalhar.
Para quem decide aventurar-se a viajar no Inverno, quando os preços em geral são mais baixos, o que torna a viagem mais barata, pode ter além deste, outros motivos de interesse. Podemos considerar também que, a maioria das vezes, as experiências de viagens no Inverno (algumas vezes com temperaturas em torno dos 2º ou 3º negativos e sob forte chuva ou nevasca) podem ser inesquecíveis e bastante gratificantes.
Outra vantagem do Inverno é que esta é uma excelente estação para fotografar – as paisagens ficam mais amplas porque muitas das copas das árvores estão nuas, a luz do dia é melhor, e até a neve faz um efeito e tanto nas nossas lembranças. E o melhor de tudo, no Inverno não há aquela infinidade de turistas que aparecem nas nossas fotos!

Assim sendo, o percurso escolhido para ir e voltar, foi o seguinte:

1º Dia (25 de Dezembro) - Burgos;

2º Dia (26 de Dezembro) - Carcassonne;

3º Dia (27 de Dezembro) - Carcassonne, Marselha;

4º Dia (28 de Dezembro) - Marselha, Cassis, Saint-Tropez;

5º Dia (29 e 30 de Dezembro) - Saint-Tropez, Saint-Rafael, Cannes;

6º Dia (30 de Dezembro) - Cannes, Antibes, Nice, Mónaco (Monte-Carlo), Menton;

7º Dia (31 de Dezembro) - Menton, Mónaco;

8º Dia (1 de Janeiro) - Mónaco, Nice, Figueras;

9º Dia (2 de Janeiro) - Figueras, Barcelona, Zaragoza;

10º Dia (3 de Janeiro) - Catalayud, Trujillo;

11º Dia (4 de Janeiro) - Trujillo, Casa.

A caminho de casa

A caminho de casa e como já referi várias vezes, sou assaltada por vários pensamentos, que em resumo e desta vez se centraram na necessária promoção cultural do turismo e no meio de transporte mais adequado à viagem.

Como se sabe a cultura é a soma total da criação humana através da sua ampla história. Ela engloba as religiões, os valores, as artes e as ciências. Viajar permite-nos experimentar e conhecer as distintas culturas, instituições, costumes, tradições características nacionais e ambientes sociais de outros lugares.

A cultura tem enriquecido o significado do turismo e o turismo deve também promover o aperfeiçoamento da cultura. Assim sendo, o turismo serve como meio para preservar a cultura e deve proporcionar a inovação cultural, o que nem sempre acontece.

Viajar no entanto implica escolher também o meio de transporte mais confortável. No nosso caso foi eleita a autocaravana. O viajar de autocaravana é sem dúvida a opção avançada para o amante do contacto com a natureza, sem abdicar do máximo conforto possível. O conforto é sem dúvida, mais vantajoso que em qualquer outra opção, por se ter mais espaço, mais acessórios e uma maior qualidade ambiente. É uma autêntica casa em miniatura.

Para nós o viajar de autocaravana é verdadeiramente agradável e pode tornar a maioria das vezes uma viagem emocionante, porque a aventura está sempre presente, dando-nos ainda a possibilidade de desfrutar da liberdade que este tipo de viagem proporciona.

Santuário do Bom Jesus do Monte



Após um pequeno lanche num café à saída do Sameiro e depois da compra de 1 Kg de bonitas e saborosas nozes, rumámos ao Santuário do Bom Jesus do Monte a apenas dois 2 Kms de distância.

A alguns Kms de Braga, levanta-se majestoso o local turístico e religioso do Santuário do Bom Jesus do Monte ou Bom Jesus de Braga, em que a natureza e a arte "dão mutuamente as mãos" para fazerem dele um verdadeiro ex-libris da cidade dos Arcebispos.

As origens do Bom Jesus remontam ao principio do século XIV, quando alguém, talvez a seguir à Batalha do Salado (1340), decidiu colocar uma cruz no alto da encosta do monte Espinho. Bem depressa esta cruz foi abrigada por uma ermida, que se tornou meta de peregrinação por parte dos Bracarenses e de outros fiéis das redondezas.
Em 1629, um grupo de devotos da Santa Cruz do Monte resolveu construir uma confraria a que foi dado o nome de Confraria do Bom Jesus do Monte, sendo a sua finalidade fazer tudo para o engrandecimento deste centro de peregrinação.

Pouco a pouco foi ganhando corpo a ideia de transformar a ermida da Santa Cruz do Monte Espinho num grandioso monumento em honra da paixão de Cristo. De 1629 a 1722 foi-se abrindo um caminho sinuoso e íngreme nas margens do qual se construíram capelas em forma de pequenos nichos, que lembram aos peregrinos os diversos passos do Calvário.
A partir de 1722, com o Arcebispo de Braga D. Rodrigo de Moura Teles, foi iniciado o projecto e começou-se a realizar um grande plano, que acabou por redundar no Santuário do Bom Jesus do Monte actual. Tratava-se de reedificar, em Braga a cidade de Jerusalém, para que os cristãos que não podiam peregrinar até à Palestina pudessem fazer aqui a sua peregrinação aos lugares santos, revivendo as cenas da Paixão de Cristo. Estas estações do Gólgota espiritual conduzem gradualmente até à igreja concluída em 1811, que substituiu o santuário original de forma circular.

Os peregrinos, ou o turistas, que chegam ao Bom Jesus do Monte, se querem ficar com uma ideia exacta desta «via-sacra», em pedra, que, no dizer de Germain Bazin, é talvez o mais monumental e poético exemplar de todas as vias-sacras de pedra, devem começar a sua visita pelo pórtico, encimado pelas armas de D. Rodrigo de Moura Teles (foi reitor da Universidade de Coimbra, e em 1694, foi bispo da Guarda e de 1704 até a sua morte em 1728 foi arcebispo de Braga), e em cujos umbrais se podem ver duas cartelas, que indicam o objectivo do Santuário do Bom Jesus do Monte.

Além disso o peregrino e o turista também encontram no Bom Jesus ocasião para uma sã diversão, não só proporcionada pela bela vista que daqui se desfruta, mas também pela existência da sua bela mata com exemplares magníficos e ar puro que proporciona óptimos passeios.

O adro da Igreja projectado por Carlos Amarante em 1784, apresenta 8 estátuas, que representam personagens que intervieram na condenação, paixão e morte de Cristo, tendo a própria Igreja uma planta em cruz latina.

O Bom Jesus do Monte é por todos estes motivos um local magnifico, onde se conjuga a obra da natureza com a notável obra do homem, (vasta, diversificada e absolutamente fabulosa), numa das maiores intervenções barrocas do País desenvolvida por André Soares, e se afirma como uma referência obrigatória do Barroco europeu, que evidência a própria evolução da arte-bracarense, consubstanciada na introdução do neoclássico por Carlos Amarante.

Importa ainda referir o elevador, movido a água de finais do século XIX, peça viva da arqueologia dos transportes portugueses e hoje um imóvel de interesse público, que pode ser usado durante todo o dia. As célebres escadas do Bom Jesus do Monte (1723-1837), são a outra opção para alcançar o santuário que proporcionam um óptimo exercício.

Santuário de Nossa Senhora do Sameiro

O acordar em frente do Santuário do Sameiro foi repousante pelo silêncio sentido no local, mas ao mesmo tempo conturbado pela prolongada chuva de granizo que deixou um lençol de pequenas pedrinhas brancas à nossa volta, que devido ao frio que se fazia sentir, não mudaram de estado com facilidade.
O Sameiro já visitado por nós em algumas ocasiões, tem para mim um significado muito especial, por ter sido o local onde fui pela única vez na vida, madrinha de um casamento religioso. Assim, foi com muito carinho que o visitei mais uma vez, tentando reter o seu carisma por mais algum tempo, através da retina e de todos os outros sentidos.

O Santuário de Nossa Senhora do Sameiro, cuja construção se iniciou em meados do séc. XIX, mais precisamente a 14 de Julho de 1863 e é o segundo maior centro de devoção mariana em Portugal, depois do de Fátima.

Do conjunto monumental destaca-se a basílica, a imponente e vasta escadaria, virada para a cidade, e os monumentos aos Papas Pio IX e João Paulo II. O Templo, só foi concluído no século XX, e nele se destacam no seu interior o altar-mor em granito branco polido, bem como o seu sacrário de prata.
A história deste santuário é longa e interessante. Em 14 de Junho de 1637, o então Arcebispo de Braga, jurou solenemente defender o privilégio da Imaculada Conceição da Virgem Nossa Senhora, mais de duzentos anos antes de a Igreja definir o seu dogma.

Na mesma data do ano de 1863, foi benta e lançada à primeira pedra de um monumento em honra de Maria Imaculada, no alto do Monte Sameiro, sobranceiro à cidade. O monumento era um amplo quadrado com uma coluna encimada por uma bela estátua de mármore da padroeira. Só em Agosto de 1880 foi benta uma capela, junto ao monumento, que receberia a imagem que ainda hoje lá se venera, esculpida em Roma e benzida pelo Papa Pio IX. O actual templo, que alberga a mesma imagem, foi iniciado dez anos depois e elevado por Paulo VI à categoria de Basílica.O templo actual só foi concluído já no século XX, e nele se destaca no seu interior o altar-mor em granito branco polido, bem como o sacrário de prata.

Em frente do Templo ergue-se uma imponente e vasta escadaria, no topo do qual se levantam dois altos pilares, encimados da Virgem e do Coração de Jesus. Do cimo desta escadaria com 265 degraus, avista-se uma paisagem esplendorosa, não só de Braga, mas também dos seus arredores até à linha do horizonte.

Pólo de grandes peregrinações, só em 1955 entraram no Sameiro mais de um milhão de pessoas. Por outro lado, acarinhado por vários Papas, a partir de Pio IX, o santuário foi visitado em 1982 por Sua Santidade o Papa João Paulo II e a ele dedicou o monumento ao Papa Peregrino. A festa da Senhora do Sameiro foi fixada em 12 de Junho, dia em que S. Pio X coroou oficialmente a imagem de Nossa Senhora da Conceição.

3º Dia - Braga - "A Cidade dos Arcebispos"


Braga é das mais antigas cidades portuguesas e uma das cidades cristãs mais antigas do mundo. No tempo dos romanos era designada como Bracara Augusta e conta com mais de 2000 anos de História como cidade. É uma cidade cheia de cultura e tradições, onde a História e a religião vivem lado a lado com a indústria tecnológica.

O astrónomo e geógrafo grego Claudius Ptolemeu (c. 85 – c. 165), em meados do século II, referiu na sua obra - "Geografia" (8 v.) -, que a cidade de Bracara Augusta era anterior à Invasão Romana da Península Ibérica. A recente pesquisa arqueológica, conduzida pela Universidade do Minho, identificou uma cerca defensiva com planta poligonal, reforçada por torreões de planta semicircular, que remonta ao século III.
Assim a ocupação humana da região onde se integra o município de Braga remonta a milhares de anos, estando documentada a partir do período megalítico. Na época correspondente à Idade do Ferro, desenvolveu-se a denominada cultura castreja, característica do povo brácaro que ocupava estrategicamente sítios fortificados nos pontos altos do relevo.

O processo de romanização iniciou-se por volta do ano 200 a.C., consolidando-se a partir dos primórdios da nossa era, com a fundação da primeira cidade, Bracara Augusta. A partir do século V, as invasões bárbaras (Suevos e Visigodos), trouxeram à região profunda conturbação que se prolongou com os Árabes até finais do século VIII, só se iniciando o processo reorganizativo nos finais do século seguinte.

Sofrendo com os focos de conflito e destruição devidos às invasões francesas e lutas liberais, Braga ganha nova vida em meados do século passado com a vinda do dinheiro e o gosto dos brasileiros (emigrantes portugueses regressados do Brasil), verificando-se então na cidade algumas "melhorias" a nível de infra-estruturas e equipamentos.
O período pós-revolução (25 de Abril) traduziu-se num enorme crescimento a todos os níveis (demográfico, económico, cultural e urbanístico), convertendo-se Braga na terceira cidade do País. Braga é assim uma cidade jovem que no ano 2000 comemorou seu bimilenário.

A cidade tem muitos topónimos, devido a vários factos que foram ocorrendo através dos tempos. Assim temos: A "Cidade dos Arcebispos", porque durante séculos o seu Arcebispado foi o mais importante da Península Ibérica e ainda é o detentor do velho título de Primaz das Espanhas. A "Cidade Romana", porque no tempo dos romanos era a maior e mais importante cidade situada no território que mais tarde constituiu o território português. Ausónio, ilustre letrado de Bordéus e perfeito da Aquitânia, incluiu Bracara Augusta entre as grandes cidades do Império Romano.

A "Roma Portuguesa", porque no século XVI o arcebispo D. Diogo de Sousa, influenciado pela sua visita à cidade de Roma, desenha uma nova cidade onde as praças e igrejas abundam tal como em Roma. A este título está também associado o facto de existirem inúmeras igrejas por km² em Braga. É ainda considerada, como o maior centro de estudos religiosos em Portugal. A "Cidade Barroca", porque durante o século XVIII o arquitecto André Soares transforma a cidade de Braga no Ex-Libris do Barroco em Portugal.

A cidade é também conhecida por "Capital do Minho" ou o "Coração do Minho", por estar localizada no centro desta província. Braga reúne um pouco de todo o Minho e todo o Minho tem um pouco de Braga. É também chamada de a "Cidade dos Três Sacro-Montes", por ter três santuários situados a Sudeste da cidade numa cadeia montanhosa, e são pela ordem Este a Sul: O Bom Jesus, Nossa Senhora do Sameiro e a Falperra (Sta. Maria Madalena e Sta. Marta das Cortiças).

A cidade está estritamente ligada a todo o Minho: a Norte situa-se o tradicional Alto Minho, a Este o Parque Nacional da Peneda-Gerês, a Sul as terras senhoriais de Basto e o industrial Ave e a Oeste o litoral marítimo Minhoto.

Braga, como o resto do Minho tem uma gastronomia riquíssima. O bacalhau assume-se como o prato de peixe favorito, a cidade é famosa pelas suas inúmeras receitas de bacalhau (bacalhau à Narcisa, bacalhau à Minhota, bacalhau à moda de Braga...). O arroz de pato, as papas de sarrabulho com rojões, a tripa enfarinhada, os farinhotes, os enchidos de sangue, o cabrito à moda de Braga, as frigideiras do cantinho ou da, os rojões à moda do Minho, o frango "pica no chão", o vinho verde, e como sobremesas, o pudim Abade de Priscos, o toucinho do céu, o bolo rei escangalhado, fidalguinhos, pederneiras, suplícios, paciências, entre muitos outros, fazem de Braga uma cidade de sabores.

A Caminho de Braga

Ao final da tarde do dia 24 e depois de comprarmos um belíssimo cosido à transmontana, para se jantar mais tarde, que nos foi cedido gentilmente pelo Restaurante "Falta de Ar" de Montalegre, que recomendamos, partimos rumo a Braga, porque segundo as informações meteorológicas, nessa noite iria cair um nevão.
No caminho e até ser noite fomos parando pelo caminho para ver vários locais de interesse turístico, entre as quais a Barragem de Pisões ou do Alto Rabagão, que é alimentada pelo rio Rabagão, que foi concluída em 1964, têm uma altura de 94m e um comprimento de coroamento de 1.897 metros, fazendo uma enorme albufeira.

Algumas aldeias por que passámos como Cervos que nos oferece uma arquitectura muito característica das aldeias transmontanas, com casas em pedra antiga onde podemos apreciar as sacadas trabalhadas, solares de família e os antigos espigueiros tão característicos da zona, tal como o forno comum da aldeia utilizado ainda pelas poucas famílias da localidade.

Em seguida mergulhamos de um momento para o outro dentro da serra em direcção a Braga. A estrada que nos guia, convida a reduzir a velocidade e a apreciar as vistas que desde logo se tornam panorâmicas. Embora já noite a Barragem de Venda-a-Nova faz adivinhar paisagens de enorme beleza, dando-nos a certeza de em breve lá voltarmos.

Por vezes a estrada oferecia-nos zonas de miradouro a pequenas vilas e aldeias lá em baixo e passados mais alguns quilómetros chegámos a Braga, onde num escaparate de estacionamento, jantámos o famoso e saboroso cosido à transmontana, (com carnes só de fumeiro), em pleno centro da cidade.

Após o jantar resolvemos passear por todo o centro da cidade, sob chuva e vento refrescantes, sendo um verdadeiro prazer percorrer a Rua Direita, contornar a Sé de Braga e visitar algumas das suas praças mais emblemáticas. Depois a bordo novamente da nossa autocaravana rumámos ao Sameiro onde pernoitámos virados para o Santuário de Nossa Senhora, mais uma vez debaixo de chuva, muito granizo e vento forte. Uma verdadeira delícia...

2ºDia - Montalegre a Capital do Barroso

Chegados às 21h00 a Montalegre e estacionada a autocaravana no parque em frente da rodoviária da vila, que ficava num alto a ver a vila, fomos a pé até um pouco mais abaixo, junto à zona destinada à Feira do Fumeiro, evento que neste fim-de-semana decorria na vila, afim de procurarmos uma tasquinha onde jantar.

Quando lá chegámos, verificámos que não existiam as tasquinhas anunciádas pela Câmara Municipal de Montalegre no seu site, mas sim dois pseudo-restaurantes (um explorado pelos bombeiros e o outro pelos escoteiros), onde não estavam a ser servidos os anunciados "cosido à transmontana" e a "feijoada à transmontana". Apenas se podia petiscar alheira, chouriço e entrecosto assados, acompanhados com arroz de grelos, tipo "unidos venceremos".

Depois de se petiscar um pouco de todo este cardápio, tentámos dar uma volta pela simpática vila de Montalegre, mas o frio estava de rachar, pelo que se voltou para a caravana que estava quentinha e por isso muito mais comfortável que a rua.

Depois de dormirmos um sono descansado, embora a noite tivesse decorrido sob vento e chuva fortes, quando acordámos já a feira fervilhava de actividade. A XVIII Feira do Fumeiro e Presunto de Barroso, cartaz vivido em Montalegre de 22 a 25 do mês de Janeiro, foi o evento que nos chamou ao Norte do País neste final de semana.

Quem por lá passou por certo observou imagens singulares e até insólitas que ficam na memória de todos. Por entre um enorme leque de "flashes", podemos reter imagens diferentes que caracterizam este evento que arrasta mais de 50 mil pessoas à Capital do Barroso.

Esta feira com um número bastante grande de produtores de fumeiro da Terra Fria Barrosã, cada um deles com um pequeno espaço, onde com simpatia e entusiasmo vendiam os seus produtos, com iguarias que vão desde o presunto, as chouriças e as alheiras, o chouriço de sangue ou sangueira, a farinheira, a barriga, o pé e a cabeça de porco fumado, salpicão, entre outras, revelando a riqueza do que é na realidade uma festa do povo. A alegria da Feira do Fumeiro revela bem o porquê de ser já conhecida como o "S. João das Chouriças".

Paulo Portas parece que tal como nós, não resistiu a uma visita à feira do fumeiro, tendo-se cruzado connosco umas duas vezes, acompanhado por alguns elementos da sua J, aproveitando a ocasião para angariar votos por terras conservadoras. Quanto a nós, depois da compra de vários quilos de várias destas iguarias, e depois de as termos deixado na caravana, fomos dar uma boa passeata pela vila afim de a conhecermos melhor e visitarmos as suas zonas mais emblemáticas.

Montalegre é uma vila transmontana, sede de concelho, que se situa na linda região das terras altas de Barroso, que incluem as serras do Gerês, do Larouco e do Barroso, e formam uma zona natural de serras, carvalhais, rios e ribeiros com zonas áridas mas ao mesmo tempo aconchegante.

Devido ao seu longo isolamento ainda se encontram na zona do Barroso costumes que vêm desde os mais remotos séculos, já desaparecidos noutras regiões, mas tão bem mantidos nesta zona. Parte do concelho de Montalegre está inserido no importante Parque Nacional da Peneda-Gerês.

Um pouco por toda a região encontram-se vestígios arqueológicos que mostram uma presença humana já desde os tempos pré-históricos, de facto no local onde se encontra a vila de Montalegre, é provável que tenha existido um povoado castrejo pré-histórico que, mais tarde, teria dado lugar a um povoado de vocação agro-pastoril.

Por Montalegre habitaram Lusitanos, Celtas, Visigodos, Suevos e, claro, Romanos, que deixaram um importante património arqueológico, tendo sido posteriormente uma terra importante na Idade Média, dado a sua localização estratégica. Montalegre conta, pois, com uma interessante história e um património rico.

Caracterizada pelo seu imponente castelo que a vigia dia e noite do alto vai, segundo a lenda, buscar o seu nome à história do fidalgo que com as suas comitivas por aquelas paragens passavam e nas aldeias entravam, pilhavam e se abasteciam de tudo um pouco sem prestar as devidas contas.

Os barrosões exigiram então, junto do alcaide do castelo que se pagassem as dívidas e fosse feita justiça e o fidalgo que comandava os assaltantes foi preso até que todas as contas fossem saldadas. A família socorreu o preso e pagou tudo o que o fidalgo devia e este, avisado para não voltar, foi ordenado que montasse o seu cavalo e desaparecesse. Em jeito de despedida e ironia montou o cavalo e proferiu as palavras já tão conhecidas por aqueles lados, "Monto e monto alegre!".

O seu castelo do século XIV, com a sua imponente Torre de Menagem com 27 metros de altura, que foi provavelmente o terceiro castelo a ser construído nesta localidade, a Capela da Misericórdia, e toda a arquitectura rural granítica atestam o valor patrimonial de Montalegre.

Todo o concelho de Montalegre respira este ambiente histórico e pitoresco, como as Igrejas Românicas de São Vicente de Chã e de Viade e as várias casas senhoriais espalhadas pela região, que tão bem têm sido mantidas, muitas delas hoje em dia transformadas em unidades de alojamento turístico de qualidade.


A Rua Direita, que aponta ao Castelo, é ponto de passagem obrigatório numa deambulação pela vila, mas não menos obrigatório é subir-se e assomar-se aos miradouros da Corujeira e de Santa Catarina, às ameias da Torre de Menagem do Castelo, aos adros das igrejas Nova e Velha e, com olho de pássaro, abranger espacidões circundantes que contemplam o Vale do Cávado, os contrafortes da Serra do Larouco, os limites da Galiza, povoados, terrenos de cultivo e bosques do reino da serenidade.

Uma das aldeias a não perder é Pitões das Júnias, bem no Parque Nacional da Peneda-Gerês, e o seu Mosteiro de Santa Maria das Júnias (séculos IX e XI), que tem conseguido manter ao longo dos séculos a sua pequena população e o aspecto medieval, de construções em pedra, sendo um dos principais atractivos turísticos desta região nos meses de Verão.

Santa Marta de Penaguião

Ao final da tarde do dia 23, sexta-feira, partimos do Peso da Régua a caminho de Santa Marta de Penaguião, que fica a cerca de 10 Km, afim de visitar como é nosso costume a guarnecida loja da Cooperativa Agrícola de Santa Marta, a laborar desde 1959, para se fazer a habitual compra de vinho de mesa, vinho do porto vintage e vinho generoso.

As Caves Santa Marta estão situadas na Região Demarcada do Douro, aquela que é a mais antiga região demarcada e regulamentada do mundo, desde o ano de 1756, resultado da responsabilidade e mestria do Marquês de Pombal, o 1º Ministro de D. José I.

Fomos atendidos com a simpatia e simplicidade habitual das gentes do norte, por duas senhoras da loja, que ficaram encantadas com o meu vulgar chapéu, e um dos representantes da Cooperativa que nos deu a ajuda necessária à escolha dos vinhos das melhores colheitas. Após a saída da Adega Cooperativa, rumámos a Montalegre debaixo de muita chuva, granizo e vento forte, que nos acompanharam até ao destino com a persistência habitual numa boa noite de Inverno.

Santa Marta de Penaguião é uma bonita Vila, sede de concelho, da região Norte do País, situada na fantástica Região Demarcada do Douro e muito afamada pela sua Adega Cooperativa, produtora de muitos apreciados vinhos, caracterizada pela natureza envolvente de campos de vinha a perder de vista, disposta em socalcos. Aqui, tal com no resto da região do Douro, o homem a golpes de força desmedida moldou a montanha xistosa em milhentos calços, transformando-a num admirável anfiteatro.

Santa Marta de Penaguião apresenta vestígios de ocupação humana bem remotos, com algumas fortificações castrejas por todo o território concelhio, como em Fontes, Lobrigos, Cumieira, Louredo e Medrões. Apesar de alguns documentos referirem a vida municipal de Santa Marta de Penaguião, foi sem dúvida a criação da Região Demarcada do Douro, em 1756, que mais contribuiu para o desenvolvimento deste concelho, conferindo uma riqueza até aí nunca vista.

A vila está rodeada de uma paisagem magnífica, caracterizada pelos socalcos cultivados, pela imensa vinha, e pelo Rio Corgo, que confere uma beleza única ao conjunto, enriquecido com o património arquitectónico da vila, como a Igreja Paroquial com uma original torre sineira, o Pelourinho da vila ou os muitos Moinhos de água existentes por toda a região, uns comunitários, outros domésticos, símbolo da importância dos muitos cursos de água aqui existentes e da manutenção agrícola que se mantém ao longo dos anos.

O rio Corgo, um dos mais importantes afluentes do rio Douro, forma no concelho de Santa Marta de Penaguião, que atravessa, uma zona de fortes declives e de grande beleza, conhecida por "encostas do Corgo", local afamado pelos excelentes vinhos aí produzidos.

De destaque são também os Marcos Graníticos da Demarcação da Região do Douro efectuada em 1756, e que tanto alterou o rumo destas terras. Marco da importância económica que os férteis solos da região e a criação da Região Demarcada do Douro possibilitaram a Santa Marta de Penaguião, encontram-se por toda a região diversos Solares e Casas Senhoriais, mormente dos séculos XVII e XVIII, como o Solar dos Pinheiros ou a Quinta do Bertelo.

As tradições de Santa Marta de Penaguião estão, elas próprias, muito ligadas á viticultura, como se pode observar no interessante Artesanato da região, nomeadamente em técnicas ligadas à cestaria e á tanoaria, bem como a tapeçaria, rendas e bordados que eram utilizados para servir doces e o Vinho do Porto.

"Barão de Forrester, Razão e Sentimento, uma História do Douro (1831 - 1861)"

A melhor das surpresas para nós, foi a presença de uma exposição sobre um homem impar para a região do Douro Vinhateiro, o Barão de Forrester, de seu nome, Joseph James Forrester. Já por várias vezes tinha ouvido falar e lido sobre a excepcional mas curta vida deste escocês notável, que pelo Douro se apaixonou, e que nele morreu, mas desconhecia parte da sua vida e até de alguma da sua enorme cultura, realmente versátil para a sua época. Foi por isso com muitíssimo prazer e interesse que visitei a exposição de homenagem a este homem do Douro.

A exposição no Museu do Douro intitulada "Barão de Forrester, Razão e Sentimento, uma História do Douro (1831 - 1861)", estava composta por uma mostra apresentada em onze núcleos: A chegada de Joseph James Forrester ao Porto; o Cerco do Porto e as lutas liberais; As origens do escocês e uma das suas primeiras obras de pintura retratando o Porto Marítimo de Hull, sua cidade natal; Forrester e a comunidade inglesa na cidade do Porto; Um jantar na Régua e a problemática da adulteração dos vinhos; As amizades electivas de Forrester, que ele retratou sem excepção; A obra pictórica de Forrester durante o Romantismo; Forrester um amador de fotografia em Portugal; Exposições Universais de 1851 e 1855; A morte do Barão de Forrester; Bibliografia do Barão; A ligação de Forrester à cartografia do Douro, um trabalho absolutamente notável.

Nesta exposição tomei o real conhecimento, do muito que deve o Vinho do Porto a Joseph James Forrester. Em 1844 publicou "Uma palavra ou duas sobre o Vinho do Porto", obra em que declarou guerra a todos aqueles que adulteravam o vinho, o que lhe granjeou muitos inimigos. Foi também um estudioso do oídio da vinha (Oidium tuckeri), e foi um exímio cartografo tendo desenhado notáveis mapas do Vale do Douro. Foi ainda poeta, desenhista e aguarelista.

Joseph James Forrester nasceu na Escócia a 21 de Maio de 1809 e morreu misteriosamente no rio Douro em 12 de Maio de 1861.Veio muito novo viver para o Porto, para a casa de um tio, negociante muito abastado, que comprava as pipas de vinho do Porto por dez mil réis e depois as vendia na Inglaterra por mais de setenta. Educou o sobrinho para lhe continuar o negócio, mas ao jovem aconteceu algo de belo e imprevisível: apaixonou-se pelo rio Douro.

A compra e venda da produção dos lavradores eram para ele apenas um pretexto para viver no rio. Tal era a paixão fluvial, que mandou construir um barco do estilo rabelo, para aí poder permanecer por longos períodos e receber os seus amigos e pessoas importantes da época, aos quais oferecia jantares esplêndidos. Conta a história que este barco, de tão requintado e luxuoso que era, impressionou na época, não só pela magnífica tripulação rigorosamente uniformizada, mas também por já dispor de magnificas condições, tais como: cozinha, sala de jantar, leitos e retrete.

Acompanhado pelos mais valentes marinheiros, o barão navegava desde o Porto até Barca de Alva, ficando horas e horas ancorado no fundo do rio, a desenhar os pormenores das margens, as encostas a descer em catarata até ás arribas rochosas, os cachões sinuosos que a água fazia entre as valeiras, e redigia notas para os seus trabalhos sobre o Douro.

A coroa de glória a que aspirava, conseguiu completá-la: o Mapa do Douro, um minucioso levantamento reduzido a um desenho de três metros de comprido e 68 cm de largo, nunca o tendo comercializado, mas sim oferecido a quem se mostrasse interessado, independentemente da classe social a que pertencesse. Nunca um rio português tinha sido estudado com tanto amor, tanto rigor científico, tanta despreocupação material. Este trabalho esplendoroso, adicionado aos vários mapas da região demarcada, fez com que o rei D. Pedro V, em 1855, lhe concede-se o título de Barão, o que constituiu um feito inédito até então, conseguido por um estrangeiro.

Em Maio de 1861, o Barão de Forrester foi visitar D. Antónia Adelaide Ferreira, a uma das de mais de meia centena de quintas de que a famosa Ferreirinha era proprietária: A Quinta do Vesúvio. Esta quinta, situada na Horta de Numão, entre a Pesqueira e Foz Côa, e que contém dentro dos seus muros sete montes e trinta vales, era uma das propriedades preferidas de D. Antónia.Ali a detentora de uma das maiores fortunas do Douro primava em receber as suas visitas, debaixo de uma frondosa palmeira que ainda hoje lá existe. Ao instalar-se o Barão no Vesúvio, aumentou assim o número de visitantes que já ali se encontravam, a saber, a filha de D. Antónia, o genro (o jovem Conde de Azambuja) e ainda o juiz de direito da comarca, que apreciava muito não se sabe se a quinta, se o famoso vinho, se a Ferreirinha.

D. Adelaide, ao ver-se ladeada de toda esta gente, e talvez um pouco saturada de tantas visitas, decide anunciar a sua partida no dia seguinte para a Régua. O barão disponibiliza-se de imediato para a acompanhar, ao que recebeu resposta negativa da proprietária, alegando que o mesmo não tinha lá o seu barco. Num gesto de galanteio e contra resposta, o barão fez questão de a acompanhar, porque era conhecedor do percurso e seria o governador do barco da enérgica Senhora.

Separava-os da "Princesa do Douro" (Cidade da Régua), a distância de cinquenta e seis quilómetros e haviam que passar pela pior garganta do curso: o Cachão da Valeira. Era este o local que mais impressionava o barão, e que por ele foi desenhado várias vezes. Foi precisamente aí que a tragédia caiu sobre os viajantes.

Os remadoures não puderam evitar a força da corrente, o barco afundou-se e todos os ocupantes foram atirados para as águas revoltosas do rio. As grandes saias de balão que então se usavam seriam motivo de salvação das senhoras. Os cavalheiros tiveram outra sorte. Desapareceram dois criados de D. Adelaide, e os cadáveres encontraram-se dias depois nas imediações da Régua. Até um caixote com pratas que a Ferreirinha levava para a Quinta de Travassos em Loureiro, veio a aparecer longe, entalado na roda de uma azenha.

Só do Barão não houve mais notícias. Vieram mergulhadores, na esperança de encontrar o corpo, sendo todas as tentativas infrutíferas. O Barão, que sempre usava um grande cinto de cabedal atulhado de libras de ouro, tinha nesse dia calçado grandes botas pretas, que chegavam ao cimo da anca, e segundo se consta tudo aquilo era ouro escondido.

O Barão de Forrester desapareceria para sempre, nas profundezas deste rio, amante sôfrego, que o abraçou para sempre e o não deixou mais partir. Sentida e merecida homenagem a este amante do Douro Vinhateiro e do seu rio.