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Dá que pensar!


A PERMANÊNCIA DA MILITÂNCIA INSURGENTE


A aposentação é uma fase da vida que sucede a muitas outras, umas por de mais inquietas, outras (in)utilmente seguras e outras ainda (talvez, poucas) de remanso aconchegado. Com a reforma apressa-se uma outra casta de desassossegos (e, sobretudo de ruturas) que suscita, na vida de cada um, inopináveis intimidações e/ou instigações, na contraditória presença de uma vida que se ausenta e de uma outra que, embora ainda ausente, se presta (por cumplicidade) ao diálogo da reinvenção. Apesar de alguns ganhos esperados, as perdas existem e o espectro da desagregação persiste em atrair (na sua peculiar crueldade) depreciações que envelhecem. Posto isto, interpelar (com convicção) o círculo e a materialidade do que (realmente) pode fazer sentido torna-se um eficaz antídoto para, com vantagem, alcançar um atraente porvir pese embora o que se abandona do tempo vencido.
Enquanto o corpo e a mente – solidários – permitem aspirar desses proveitos, há que cuidar desse bem, aliás cada vez mais escasso, destinando desígnios ao tempo incerto que o compõe. Confesso, que uma das atividades por mim adotada, por arreigada oposição ao politicamente conveniente, está no empenhamento aperfeiçoado da insurgência como prática libertadora de capturas múltiplas cevadas nesta (e por esta) paradoxal democracia. Nela, cria-se e faz-se prosperar uma cultura surreal (política e cultural) celebrando-se liberdades que, com descaro, se abastardam na densidade (própria e estranha) de tuteladas obediências que se impõem num angustiante crescendo. Dar forma à razão genuína, sentida e vivida como verdade, torna-se (assim) num experimento de recomeçados questionamentos e de infindáveis afinidades de reação e resistência.
Aqui, ali ou em todo o lado, não se pode dizer tudo, não se pode falar de tudo e muitos não podem sequer falar. O tabu, a ritualização e o privilégio dos que decretam e podem, aclaram assim os limites do dizível assinalando as sombras da inclusão (ou os territórios da exclusão) onde as singularidades se silenciam e os medos se escondem. O politicamente conveniente não é, nem poderia ser, um lugar rumoroso. Ele nada anuncia e a discrição é o seu poderoso disfarce. Habita (por isso), na excelência do silêncio, os lugarejos onde se engenha o domínio e a acomodação das verdades e dos saberes úteis. Verdades e saberes que obedecem a vontades de poderes combinados, embora nem sempre amigáveis, que dão forma e traçam os roteiros, beatos e amáveis, donde irrompe o dizível. A insurgência tem uma outra vontade, provavelmente avessa, não desconhecendo que os poderes renascem sempre e que sempre reagem onde a liberdade espreita. Assim sendo, a militância da insurgência regressa, igualmente sempre, ao prólogo de um texto que o legitima acreditando que o texto que sucede seja distinto, naturalmente para melhor…
Almiro Lopes, in Revista ESCOLAinformação (SPGL), de janeiro de 2013

A democracia, a crítica e o sofá de Freud


“Os que invalidam a razão devem pensar seriamente se estão a argumentar contra a razão com razão ou sem ela; se for com razão, estabelecem o princípio de que estão a trabalhar para a destronar; mas se argumentam sem razão (que, para serem coerentes consigo próprios, é o que devem fazer), estão fora do alcance da condenação racional e também não merecem um argumento racional.”

Ethan Allen*, in O Mundo Assombrado Pelos Demônios – A Ciência Vista Como uma Vela no Escuro de Carl Sagan (pág. 327)
 
Polemizar é debater ideias. Do debate brota a síntese, o caminho a seguir, embora haja quem marque passo.

Quem polemiza, justa ou injustamente, fica com travo amargo.

Quem escreve ou fala publicamente não escreve só por escrever, nem fala só por falar. Por diletantismo! Quer transmitir mensagens e ideias. De contrário, escreveria um diário íntimo ou usava um gravador para se ler ou se ouvir, ou mastigava silêncio que é ainda melhor.

Se a escrita ou a fala se dirigem à crítica social ou política vão gerar o tal travo amargo no criticado ou atingido, semeiam odiozinhos, coisas mesquinhas, muito pequeninas! Dissimulados de variadas formas.

Num espaço democrático, a participação cívica e política envolve, quase sempre, uma posição crítica, de discordância, onde se ponderam os dois pratos da balança: o opinador, os destinatários desta, os defensores e os adversários de um e outro.

É a participação cívica e política dos cidadãos na vida e enriquecimento democráticos.

É o “a, b, c” da dialéctica de um mundo democrático que, por isso mesmo, cada vez mais se sente em evolução e participativo.

A crítica pode operar-se com veemência, contundente, mordaz, mas deve ser lida como tal, crítica, modo diferente de ver e encarar as coisas, os problemas, os desafios que se colocam à República, à comunidade e ao indivíduo.

Bate o ponto aqui.

Uma palavra a mais, um dito a menos e infeliz, uma referência mais picante, odiozinhos antigos e dissimulados são erigidos a ofensas gravíssimas à honra e à dignidade.

Se o escriba avança a opinar discordantemente por aí fora, toda a honra fica abalada de dor, sofrimento e sangue.

A ofensa sobe quanto mais certeira foi a imputação!

Falam aí a ausência de poder de encaixe, a incapacidade de aceitação da crítica, a fragilidade das convicções, ao cabo e resto, défice de formação democrática.

O juiz penal é chamado para sarar a honra ofendida!

Se Eça de Queiroz cá voltasse (que jeito nos dava!), não haveria espaço em qualquer majestoso tribunal para arquivar os processos com que teria de alombar, cárcere onde o metessem, conta bancária que suportasse as indemnizações a pagar. Tal era contundente a sua crítica, corrosiva e certeira a ironia.

Mediocridades e pequenez! Convocar o juiz penal porque fulano ou sicrano no comentário ou opinião críticos não foi de destreza literária, causam grande fastio.

Há sábios de barriga a abarrotar de “ciência anónima, com vaga noção de tudo e conhecimento de nada”. Por aí pululam. Os “ressequidos”, Eça dizia. Não beberam uma gota “daquele leite de humana bondade..." de que falava o adorável Charles Dickens.

Atiram a pedra, ocultam a manápula!

Tomem o sofá de Freud!

 
Alberto Pinto Nogueira, Procurador-geral adjunto

in JORNAL O PÚBLICO (20/05/2013)

*Ethan Allen foi o chefe dos Green Mountain Boys, na tomada do Fort Ticonderoga.

O Problema Essencial da Vida


"Sem a cultura e a liberdade relativa que ela pressupõe, a sociedade por mais perfeita que seja, não passa de uma selva. É por isso que toda a criação autêntica é um dom para o futuro."

Albert Camus

Wifredo Lam (1902-1982), "A Selva"
Museu de Arte Moderna, Nova Iorque

O problema essencial da vida, que é o problema da realidade ou da verdade, não existe, nem pode existir em iguais termos para o homem de inteligência superior e para o homem vulgar. O homem de inteligência superior não tem, é certo, melhores elementos para descobrir a verdade do que o mais fechado dos idiotas. O que tem é melhores elementos para compreender porque é que ela se não pode descobrir. Mas a descrença, a que chegam todos os espíritos elevados, em que a razão predomina sobre o sentimento, sendo para eles tónica, é absolutamente desastrosa para os inferiores. Sem fé, sem crença, o homem vulgar reduz-se a um bicho; com fé, com crença, o homem superior baixa de posto. De aí o terrível paradoxo, que ataca todo o homem ao mesmo tempo superior intelectual e moralmente; que é inferior não sentir a descrença, e inferior pregar a descrença que sente. O inferior não é capaz de descrença, porque a crença é um estado orgânico dos instintivos. Por isso a descrença, caindo nesse solo impropício, ou se torna um fanatismo às avessas, ou um materialismo sem teoria, ou uma simples estupidez.

Assim a especulação filosófica (teórica) parte forçosamente dos dados elementares do conhecimento, que são o sujeito e o objeto, e a consequente relação entre eles, assim a especulação prática parte dos dados elementares da vida, que são o organismo e o meio e as consequentes relações entre eles. A especulação teórica abrange as partes todas da experiência; a especulação prática abrange apenas aqueles fatores da experiência (…)

(Como é que “Verdade”, a Realidade, em um caso, corresponde a Vida, em outro?)

 
A religião é uma metafísica vital, a ciência da utilidade.

 
1.    O homem é um animal irracional, exactamente como os outros. A única diferença é que os outros são animais irracionais simples, o homem é um animal irracional complexo. É esta a conclusão que nos leva a psicologia científica, no seu estado actual de desenvolvimento. O subconsciente, inconsciente, é que dirige e impera, no homem como no animal. A consciência, a razão, o raciocínio são meros espelhos. O homem tem apenas um espelho mais polido que os animais que lhe são inferiores.

 
2.    Sendo assim, toda a vida social procede de irracionalismos vários, sendo absolutamente impossível (excepto no cérebro dos loucos e dos idiotas) a ideia de uma sociedade racionalmente organizada, ou justiceiramente organizada, ou, até, bem organizada.

 
3.    A única coisa superior que o homem pode conseguir é um disfarce do instinto, ou seja o domínio do instinto por meio de instinto reputado superior. Esse instinto é o instinto estético. Toda a verdadeira política e toda a verdadeira vida social superior é uma simples questão de senso estético, ou de bom gosto.

 
4.    A humanidade, ou qualquer nação, divide-se em três classes sociais verdadeiras: os criadores de arte; os apreciadores de arte; e a plebe. As épocas maiores da humanidade são aquelas em que sobressaem os criadores de arte, mas não se sabe como se realizam essas épocas, porque ninguém sabe como se produzem homens de génio.

 
5.    Toda a vida e história da humanidade é uma coisa, no fundo, inteiramente fútil, não se percebe para que há, e só se percebe que tem que haver.

 
6.    A plebe só pode compreender a civilização material. Julgar que ter automóvel é ser feliz é o sinal distintivo do plebeu.

A metafísica, na sua essência, isto é, no que de ao mesmo tempo mais lato e mais simples comporta o seu conceito, assenta em uma distinção, possível só a conscientes desenvolvidos, entre o conhecimento e a vida, ou com precisão mais verbal, entre conhecer e viver. Só uma longa experiência humana, acumulada e transmitida, pôde criar um tipo de homem primeiro inactivo, por quaisquer circunstâncias que atenuassem o estado de guerra inevitavelmente primitivo (primordial) entre os humanos, e depois, por apuramento especializado desses inativos, o tipo já propriamente especulativo.

O homem não sabe mais que os outros animais; sabe menos. Eles sabem o que precisam saber. Nós não.

Fernando Pessoa, in Obras em Prosa, Textos Filosóficos, Vol. VI, Círculo de Leitores, 1987. Páginas 107, 108.

Fonte: http://www.citador.pt/

Limites: a formação necessária do Superego


Hoje olhamos, falamos e discutimos muito sobre a violência e as consequências sociais e psicológicas dela decorrentes, mas, o que mais nos assusta e atinge é a indiferença com que o violento se comporta, como não se importasse nem com o seu ato e muito menos com as consequências dele; como se nada do que nos horrorizasse fizesse algum sentido; mas, assim também é com o menino que rouba ou com o jovem que atropela porque bebeu.

São as sequelas da ausência de lucidez, a Aufklãrung de Kant ou a ausência do Superego de Freud, que pode ser adquirido no colo de um cuidador.

Esta é mais uma excelente palestra do Café Filosófico, realizada por Ivan Capelatto, psicoterapeuta, psicólogo clínico e professor do curso de pós-graduação em pediatria da Faculdade de Medicina da PUC do Paraná. Ivan Capelatto é também autor da obra Diálogos sobre Afetividade - o nosso lugar de Cuidar (2001).

No entanto, embora Ivan Capellato aborde com pormenor o assunto, deve aqui ficar feita a diferenciação entre Id, Ego e Superego, para melhor entendimento daquilo que se escutar nesta ótima palestra.

O que é o Id? Id significa identidade. Mas Id também é uma das três estruturas do aparelho psíquico, juntamente com o Ego e o Superego. O Id é responsável pelos instintos, impulsos orgânicos, e os desejos inconscientes. O Id não tem contato com a realidade e pode satisfazer-se na fantasia, mesmo que não realize uma ação concreta referente aquele desejo.

Os psicopatas têm um Id dominante e um superego muito reduzido, o que lhes tolhe o remorso, sobressaindo a falta de consciência moral.

E o que é o Ego? O Ego é a segunda natureza existente na nossa psicologia. É a nossa parte mais grotesca, a nossa parte animal, que infelizmente se constitui em 97% da nossa psicologia. A essência constitui-se apenas em 3%, porém está adormecida, inconsciente... Então a conclusão disto tudo é que passamos a vida toda adormecidos, achando que vivemos em plena consciência.

Vivemos a vida do Ego, com as suas preocupações, preconceitos, rancores, invejas, maledicências, orgulhos, luxúria, vaidades, materialismos, enfim os nossos pecados capitais; ou vivemos de lembranças do passado ou de planos para o futuro, e esquecemos de viver o momento presente, o agora, isto é o exato instante.

Finalmente o que é o Superego? O Superego designa na teoria psicanalítica, uma das três instâncias dinâmicas do aparelho psíquico. É a parte moral da mente humana e representa os valores da sociedade.

O superego divide-se em dois subsistemas: o ego ideal, que dita o bem a ser procurado; e a consciência moral (al. Gewissen), que determina o mal a ser evitado. O Superego tem três objetivos: Inibir (através de punição ou sentimento de culpa) qualquer impulso contrário às regras e ideais por ele ditados (consciência moral); Forçar o ego a comportar-se de maneira moral (mesmo que irracional); Conduzir o indivíduo à perfeição - em gestos, pensamentos e palavras (ego ideal).

O Superego forma-se após o Ego, durante o esforço da criança de intrometer os valores recebidos dos pais e da sociedade, a fim de receber amor e afeição.

Segundo o livro de André Luiz (um autor espiritual, que escreve pela mão de Francisco Cândido Chavier), "Num Mundo Maior", o nosso cérebro é como um castelo de três andares. No primeiro andar, o sistema nervoso, é a sede de nossas atividades subconscientes, onde estão arquivadas todas as nossas experiências, desde os menores factos. No segundo andar, na região do córtex motor, zona intermediária entre os lobos frontais e os nervos, temos a parte do cérebro que sintetiza as energias necessárias para nossas conquistas atuais. É onde reside o consciente. O terceiro andar representa a parte mais nobre deste castelo. É onde fica o superconsciente, e onde estão escritas as leis divinas. As metas superiores estão aí, em forma de embrião à espera para desabrochar...


Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=Lf7SeEfy_s8

Fontes / Ler mais em: http://www.significados.com.br/id/ http://br.answers.yahoo.com/question/index?qid=20060710112137AAm7Hnl http://pt.wikipedia.org/wiki/Superego http://espiritismo-br.blogspot.pt/2009/05/limites-formacao-necessaria-do-superego.html

Ninguém Tem Pena das Pessoas Felizes



…“Em Portugal, a felicidade é reprimida. Não se pode entrar feliz num lugar, resplandecente na cara soalheira que Deus Nosso Senhor nos deu, sem que algum marreco nos venha meter o queixo no sovaco e pergunte: «Então? O que é que aconteceu? Saiu-lhe a sorte grande ou quê?» Se uma mulher, de repente, pega na bainha da saia e se põe a atravessar a rua aos saltinhos, só porque é precisamente assim que lhe apetece atravessá-la, há uma corrida às cabines telefónicas a ver quem é o primeiro a ligar para o Júlio de Matos.

A felicidade, em Portugal, é considerada uma espécie de loucura. Porquê? Porque os portugueses quando vêem uma pessoa feliz, julgam que ela está a gozar com eles. Mais precisamente: com a miséria deles. Não lhes passa pela cabeça que se possa ser feliz sem ser à custa de alguém. Acham que as pessoas felizes são esponjas-com-pernas, daquelas de banho, cor-de-laranja, muito alegres, que andam pelas ruas a chupar a felicidade toda às outras pessoas.

Se houvesse um livro de Bernardim Ribeiro que começasse «Menina e moça voltei para casa dos meus pais e desde esse dia nunca mais chorei uma só lágrima», nunca teria arranjado editor. Portugal pode não ser um país triste, mas é decididamente um país infeliz. Em mais nenhuma língua «ser feliz», que deveria ser uma coisa natural, significa também «ter sorte», ser bem sucedido.

Ninguém tem pena das pessoas felizes. Os Portugueses adoram ter angústias, inseguranças, dúvidas existenciais dilacerantes, porque é isso que funciona na nossa sociedade. As pessoas com problemas são sempre mais interessantes. Nós, os tontos, não temos interesse nenhum porque somos felizes. Somos felizes, somos tontaços, não podemos ter graça nem salvação. Muitos felizardos (a própria palavra tem um soar repelente, rimador de «javardo» vêem-se obrigados a fingir a dor que deveras não sentem, só para poderem «brincar» com os outros meninos.

É assim. Chega um infeliz ao pé de nós e diz que não sabe se há-de ir beber uma cerveja ou matar-se. E pergunta, depois de ter feito o inventário das tristezas das últimas 24 horas: «E tu? Sempre bem disposto, não?». O que é que se pode responder? Apetece mentir e dizer que nos morreu uma avó, que nos atraiçoou uma namorada, que nos atropelaram a cadelinha ali na estrada de Sines.

E, no entanto, as pessoas felizes também sofrem muito. Sofrem, sobretudo, de «culpa». Se elas estão felizes, rodeadas de pessoas tristes, é lógico que pensem que há ali qualquer coisa que não bate certo. As infelizes acusam sempre os felizes de terem a culpa. É como a polícia que vai à procura de quem roubou as jóias e chega à taberna e prende o meliante com ar mais bem disposto.

Em Portugal, se alguém se mostra feliz é logo suspeito de tudo e mais alguma coisa. «Julgas que é por acaso que aquele marmanjo anda tão bem disposto?», diz o espertalhão para outro macambúzio. É normal andar muito em baixo, mas há gato se alguém andar nem que seja só um bocadinho «em cima». Pensam logo que é «em cima» de alguém.

Ser feliz no meio de muita gente infeliz é como ser muito rico no meio de um bairro-de-lata. Só sabe bem a quem for perverso.

Infelizmente, a felicidade não é contagiosa. A alegria, sim, e a boa disposição, talvez, mas a felicidade, jamais. Porque a felicidade não pode ser partilhada, não pode ser explicada, não tem propriamente razão. Não se pode rir em Portugal sem que pensem que se está a rir de alguém ou de qualquer coisa. Um sorriso que se sorria a uma pessoa desconhecida, só para desabafar, é imediatamente mal interpretado. Em Portugal, as pessoas felizes sofrem de ser confundidas com as pessoas contentes.

As pessoas contentes, satisfeitas, da palmadinha na barriga, que não querem nada da vida para além do que já têm, é que podem ser suspeitas. As pessoas felizes, coitadas, não. O mais das vezes são criaturas insatisfeitas. Só que não se importam muito com isso. A pessoa contente é aquela que sabe o que se passa e tem tudo o que quer. A pessoa feliz é aquela que, independente do que se tem, não só não sabe o que se passa como também não quer saber. As pessoas felizes não pensam nisso. Pensam tanto como as abelhas. Em vez de viver, zumbem.

As pessoas felizes precisam de se afirmar, de deixar de fingir que também estão permanentemente na fossa. Devia haver emblemas grandes a dizer «EU SOU FELIZ E ESTOU-ME NAS TINTAS» ou «EU SOU FELIZ E NÃO TENHO CULPA». É preciso acabar com subtil racismo dos Portugueses contra a raça dos felizes. As pessoas felizes são tão portuguesas como as outras. Também choram, também sofrem, também se angustiam. Só que menos. (Hi! hi! hi!...)

Está bem, pronto. A revolta começa aqui. As pessoas felizes não sofrem quase nada! Todos agora: Hi! hi! hi!...
Miguel Esteves Cardoso, A Felicidade, in 'Os Meus Problemas' (ASSÍRIO & ALVIM, 11ªedição, páginas 125-127)

“Não sei, não quero saber e tenho raiva de quem sabe!”




“Não sei, não quero saber e tenho raiva de quem sabe!” Esta é uma frase que ouço pronunciar muitas vezes e que estranho sempre. É uma frase tão comum que até virou letra de canção.

Será por certo uma boa frase para se cortar a conversa a alguém que esteja a querer falar da vida alheia, mas infelizmente não é nesses casos que ela é usada com frequência.
No outro dia em conversa com uma pessoa, eu lhe falava de Stephen Hawking, um dos mais consagrados cientistas da atualidade. Expliquei que este cientista, embora fosse portador de esclerose lateral amiotrófica (uma rara doença degenerativa que paralisa os músculos do corpo sem, no entanto, atingir as funções cerebrais), tinha tido a sorte de ter conseguido fazer uma vida digna, ter estudado, casado e tido filhos, ajudado por certo por uma família muito solidária e por um país com reais preocupações sociais.
A pessoa com quem falava disse desconhecer o caso, ao que retorqui, que enviaria a informação relativa a Stephen Hawking por email.
No dia seguinte perguntei a essa mesma pessoa se tinha recebido o email e lido sobre o caso. Em resposta tive uma cara de poucos amigos, como que querendo ignorar o assunto, dizendo-me de seguida, “que se iria confirmar “tudo” dali para a frente”.
Confirmar o quê? Se Stephen Hawking existe ou não? E como é que se confirma, aquilo que não se quer confirmar?
Agora sim, eu entendia com precisão o significado real desta frase tão badalada entre as gentes do nosso Portugal.

Ler mais em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Stephen_Hawking

Crítica… ou talvez não!?...

“Diz NÃO à liberdade que te oferecem, se ela é só a liberdade dos que ta querem oferecer. Porque a liberdade que é tua não passa pelo decreto arbitrário dos outros.”


Vergílio Ferreira, in Contra-Corrente III - intervenção cívica

Óleo sobre Tela de Victor Lages - 2008

Há alguns dias atrás, recebi um comentário anónimo e bastante grosseiro a uma postagem aqui publicada há já algum tempo. Embora não seja a primeira vez que isto acontece, o facto é que me deixou mais uma vez perplexa. Mesmo vivendo numa época conturbada e de enorme crise de valores, não consigo deixar de me admirar com este tipo de atitudes.
Devo dizer que as críticas que aqui são colocadas, mesmo que negativas, geralmente não me afetam, e até tenho por princípio gostar que mas façam, pois por exaustão nos esculpimos.
Mas em meu entender as críticas, devem sempre ser feitas no sentido de ajudar a melhorar qualquer coisa, porque senão elas passam a ser um mero exercício de intuito destruidor e sádico.
Num tempo em que se vive também uma crise “estratégica” para o bem-fazer, mais e melhor, a fim de crescermos como nação, coloco aqui duas citações que talvez, se pensarmos nelas individualmente, nos ajudem a melhorar como povo: “Somos o que fazemos, mas somos, principalmente, o que fazemos para mudar o que somos”. (Eduardo Galeano), ou "Só é digno da liberdade, como da vida, aquele que se empenha em conquistá-la." (Goethe)
É precisamente sobre isso que este texto de Vergílio Ferreira nos fala e que ilustra bem a nossa mentalidade cultural.
“O comum das gentes (de Portugal) que eu não chamo povo porque o nome foi estragado, o seu fundo comum é bom. Mas é exactamente porque é bom, que abusam dele. Os próprios vícios vêm da sua ingenuidade, que é onde a bondade também mergulha. Só que precisa sempre de lhe dizerem onde aplicá-la. Nós somos por instinto, com intermitências de consciência, com uma generosidade e delicadeza incontroláveis até ao ridículo, astutos, comunicáveis até ao dislate, corajosos até à temeridade, orgulhosos até à petulância, humildes até à subserviência e ao complexo de inferioridade. As nossas virtudes têm assim o seu lado negativo, ou seja, o seu vício. É o que normalmente se explora para o pitoresco, o ruralismo edificante, o sorriso superior. Toda a nossa literatura popular é disso que vive.
Mas, no fim de contas, que é que significa cultivarmos a nossa singularidade no limiar de uma «civilização planetária»? Que significa o regionalismo em face da rádio e da TV? O rasoiro que nivela a província é o que igualiza as nações. A anulação do indivíduo de facto é o nosso imediato horizonte. Estruturalismo, linguística, freudismo, comunismo, tecnocracia são faces da mesma realidade. Como no Egipto, na Grécia, na Idade Média, o indivíduo submerge-se no colectivo. A diferença é que esse colectivo é hoje o puro vazio.”
Vergílio Ferreira, in 'Contra-Corrente II'
 
Fontes: http://www.citador.pt/http://cronicas-portuguesas.blogspot.pt/http://arcoartis.com/

Cultura da Vaidade e Consumo


Vivemos uma sociedade chamada de, entre outros nomes, de “sociedade de consumo”. A “bulimia” atual atinge todas as pessoas (e deixa frustradas aquelas que, por falta de recursos, não podem adquirir os bens cobiçados). Depois ainda é vinte e quatro horas por dia, incentivada por anúncios mil, que inundam as ruas, os jornais, as revistas, a televisão...
Cabe-nos perguntar porque é que tanta gente se entrega a tal “bulimia”. Variadas são as explicações possíveis. Nesta palestra, Yves de La Taille defende a ideia de que vivemos numa “cultura da vaidade”, na qual as marcas de distinção, que se associam ao status de “vencedor”, tornam-se quase que necessárias para gozar de alguma visibilidade social.
Ora, na maioria das vezes, o primeiro motivo do consumo é a aquisição de marcas. Como o fenómeno não poupa as crianças e adolescentes (clientes, aliás, muito cobiçados), e também como ele é intimamente relacionado à construção da identidade, as medidas para protegê-los devem necessariamente passar, para além da dimensão legal, pela dimensão ética, mas essa ética será entendida aqui como busca de uma “vida boa”, para si e para os seus semelhates.
O Professor Yves de La Taille, é professor titular do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP). Autor do livro "Moral e Ética - dimensões educacionais e afetivas" (Prémio Jabuti 2007). Atualmente ministra aulas de Psicologia do Desenvolvimento e desenvolve pesquisa na área de Psicologia Moral. Esta palestra foi realizada no âmbito do Fórum Internacional Criança e Consumo.



Liberdade, onde estás? Quem te demora?




“Não é bom viver no Portugal onde reina o engano e a mentira institucionalizada.”

«Este artigo é um panfleto. Não acrescenta nada de novo àquilo que digo há mais de dois anos, pelo que não tem interesse mediático. Não é distanciado, nem racional, nem equilibrado, nem paciente, nem tem um átomo da imensa gravitas de Estado que enche a nossa vida pública no PS e no PSD, cheia daquilo a que já chamei redondismo e pensamento balofo. Como vêem já disse isto tudo e estou-me a repetir. Não é sequer um artigo feliz, que se faça com gosto e prazer. Prescindia bem de o fazer para falar de outras coisas, refrigérios da alma, como se dizia no passado, seja livros, seja o Inverno, seja algum momento especial, uma descoberta de amador curioso, uma coisa que se aprendeu, uma calmaria hegeliana do espírito, ou uma negatividade divertida e sagaz.

Bem pelo contrário. Não ilumina, não é feito pela curiosidade, é feito em nome da voz que não tem voz e por isso tem muitos adjectivos e podia ser todo escrito em calão, aqueles plebeísmos, grosserias e obscenidades que tem nos dias de hoje a enorme vantagem de não conter hipocrisia, porque são palavras inventadas contra a hipocrisia. Ao menos, vamos hoje usar o esplendor das belas palavras do português contra o abastardamento da língua como maneira de falarmos uns com os outros, de nos entendermos na simplicidade do povo comum, ou na riqueza criativa de uma velha fala, capaz de tudo se a deixarmos à solta, mas magoada e ferida pelo seu uso para esconder vilezas e malfeitorias, e acima de tudo para esconder arrogâncias ignorantes, que é a moeda falsa que para aí circula.

Pode ser porque eu dou valor às palavras — uma sinistra manifestação da condição suspeita de intelectual — que me repugna, enoja, irrita, indigna, encanita, faz-me passar do sério, a sua sistemática violação pelo governo. Violação, exactamente como as outras violações. Devia haver uma lei não escrita para punir a violência feita com as palavras e pelas palavras, como há com a violência doméstica, a violência contra os mais fracos, o abuso do poder. Devia haver uma lei não escrita para punir o envenenamento das palavras pela desfaçatez lampeira, a esperteza saloia.

De novo, pela pecha de ser intelectual, — um estado miserável nos dias de hoje, “treinador de bancada”, “comentador”, “opinador”, “achista”, “inútil”, “velho do restelo”, “negativista”, ou qualquer outra variante das palavras com que hoje o poder e os seus serviçais entendem diabolizar o debate público que não lhes convém — é que me repugna, enoja, irrita, indigna, encanita, faz-me passar do sério, a sistemática tentativa de nos enganar, de nos tomar por parvos, de nos despachar com um qualquer truque verbal destinado a dizer que uma coisa é diferente do que o que é, porque convém que não se perceba o que é.

Os exemplos abundam. Por exemplo, chamar aos cortes “poupanças”, como se não fosse insultuoso para quem quer que seja ver a sua vida ficar miserável por uma ”poupança” virtuosa, cuja natural bondade não pode ser atacada. Quem ousa ser contra poupanças? Pode-se ser contra os despedimentos, contra a redução das despesas sociais, contra os cortes, mas não se pode ser contra as “poupanças”. Mesmo quando elas mais não sejam do que cortes, despedimentos, reduções de prestações, reformas miseráveis ainda mais miseráveis, ou, como diz Bagão Félix, “diminuição do rendimento das famílias”. Os espertos assessores de comunicação, que se esforçam todos os dias para dar ao Governo a “política” que o professor Marcelo diz que ele não tem e evitar assim “erros de comunicação”, são os aprendizes de feiticeiros deste quotidiano embuste em que vivemos. Mas estão todos bem uns para os outros.

Chamar a um novo plano de austeridade, o enésimo de há dois anos para cá, sempre precedido da mentira de que “não vai ser necessária mais austeridade”, mais uma vez sobre os funcionários públicos, os pensionistas e os que precisam de serviços públicos de saúde, educação, e outros, essa coisa obscura e neutra de “medidas contingentes”, não é também um insulto à nossa inteligência e, pior que tudo, uma ofensa aos que vão ser vítimas daquilo que o Governo chama “desvios na execução orçamental”, ou seja erros? A verdade, nua, bruta, cruel, dura, pétrea, é que cada vez que o Governo erra, há um novo plano de austeridade destinado a garantir que a mesma receita que falhou seja tentada de novo, com mais uns milhares de milhões retirados às pessoas, às famílias, à economia, para pagar uma obstinação, um beco sem saída ideológico, uma tese sem prova, uma abstracção intelectual, no fundo uma enorme vaidade sem perdão. Sócrates deitou fora milhões e milhões mal gastos e perdulários, Passos Coelho deita fora milhões e milhões para um vazio de arrogância, ignorância e vaidade, sem melhorar o défice, aumentando a dívida, sem se ver qualquer utilidade. Mas o dinheiro, antes como agora, foi para algum sítio.

E como aceitar o supremo insulto fruto de uma displicência que acaba por ser maldosa e arrogante, de se dizer que a recessão para este ano “aumenta de um ponto percentual”, como se passasse de 35,4 para 36,4, quando passa de 35,4 para 70,8, usando estes números imaginários para se perceber a enormidade do “ponto percentual” que significa errar por 100%, duplicar por dois uma desgraça, que passa a ser o dobro do que era, ou seja uma pequena coisa, “um pequeno ponto percentual”, como se fosse a coisa mais natural do mundo.

Os erros agora também se chamam “ajustamentos” e podem ser tidos apenas como a natural consequência da “dificuldade das previsões macroeconómicas”, que se tem que ir “ajustando” mês a mês. Mas os erros antes de serem “ajustados” acaso não foram instrumentos de combate político, fonte de afirmação de legitimidade, atirados contra todos os que suspeitavam da sua verdade e exequibilidade? Não tem importância, encontra-se uma estatística qualquer que mostra que estamos no “caminho certo”, mesmo que tudo esteja errado, e há sempre quem coma esta palha.

É tudo “ajustamento” porque os manipuladores das palavras entendem que, lá fora da sua janela do poder, tudo é plástico que se pode moldar, é tudo paisagem em que se pode plantar uma sebe alta para não ver o mais de um milhão de desempregados “em linha com o que estava previsto”, e colocar os portugueses numa jaula de ratinhos a correr para fazer experiências. E que tal cortar metade da comida a ver se eles se “ajustam” à “poupança” de só comer metade? Trinta morrem, quarenta ficam doentes, vinte ainda têm gordura para aguentar. Aguentam, aguentam, diz o tratador. Excelente, ficam dez por cento, a “selecção natural” funcionou e deixou-nos com os mais fortes, os que se “ajustam”, os “empreendedores”. Morreram alguns comidos pelos outros? Não há problema, sempre há ratinhos “empreendedores” e que não são “piegas”, e que mostram as virtudes do modelo.

No dia em que este Governo for corrido, pelo mesmo tipo de onda de rejeição que varreu o seu antecessor, só que agora do tamanho das ondas do Canhão da Nazaré, vai sair com a atitude daquele que diz: o último a sair que feche a luz e a porta, porque já não é connosco, “queríamos mudar Portugal e não nos deixaram”. E irão para os seus lugares de acolhimento confortável, já pensados e preparados, sem temor e sem tremor.

No entretanto, estragaram Portugal com a mesma sanha do filósofo de Paris, numa situação que vai demorar décadas para ser consertada, se é que tem remédio. Descaracterizaram o PSD como Sócrates fez ao PS, tornaram pestíferos os políticos em democracia e as instituições da democracia, destruíram a geração actual, a que tratam sobranceiramente como a dos “instalados” e querem desempregar para “ajustar” o preço da mão-de-obra, e hipotecaram a geração seguinte com a mesma antiga maldição da baixa qualificação, do provincianismo, do quotidiano de subsistência onde não há recursos para os bens materiais quanto mais para os “imateriais”.

Vão deixar-nos na periferia da periferia, como um país eternamente assistido por uma Europa para quem pagar ao seu bom aluno são trocos desde que ele se porte bem. Irá a ficará o BCE, a Comissão Europeia e o Pacto orçamental. Ficará um país medíocre e remediado, uma praia razoável para o Verão. Deles vamos herdar uma enorme colecção de invejas e ressentimentos sociais, que dividirão os portugueses entre si, aumentando ao mesmo tempo a apatia e a violência social.»

José Pacheco Pereira, in Jornal Público de ontem, dia 23 – 02 – 2013
(Foi mantida a ortografia original)

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Eis um drink que merece ser sorvido até à alma!