"A inveja tem muita
força em Portugal porque somos uma sociedade fechada"
José Gil
Portugal,
Hoje: o Medo de Existir é o novo livro do José Gil, o filósofo
português que foi considerado um
dos 25 grandes pensadores do Mundo, pela revista francesa Nouvel
Observateur.
José Gil licenciou-se em Filosofia na Faculdade de Letras de Paris (Sorbonne) em 1968. Em 1969, obteve a "maîtrise de Philosophie" e, em 1982, o "doctorat d´Etat de Philosophie". Actualmente é professor catedrático na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. José Gil tem obras publicadas no Brasil e está traduzido nos EUA, França e Itália.
Segundo José Gil, "O
livro toca nesses podres em que a população portuguesa atingiu um grau de
insuportabilidade. O que o livro provoca em muitos é "vamos fazer qualquer
coisa".
Classifica
“Portugal como o País da não-inscrição,
da negação do conflito e da normalização, dominado pelos medos e pela inveja,
herdados do salazarismo, onde não existe um espaço público, lugar ocupado atualmente
pelos média. Não se pode continuar assim, não sabendo
bem o que fazer. Quando eu falo da não-inscrição é porque nós precisamos de
respirar, o que significa criar, fazer, ver, ou seja, ter a noção de que quando
nós fazemos, escrevemos, pintamos, compomos, etc., nós temos uma inscrição,
afirmamos qualquer coisa que se marca no real, se transforma e cria real".
O
filósofo exemplificou: "Se vamos a
um espetáculo de um coreógrafo que vem a Portugal, gostamos de dança e
descobrimos qualquer coisa de novo, uma parte daquele espetáculo deveria
derrubar alguma coisa na nossa vida e mudar a nossa vida, descobrir espaços
diferentes, maneiras de falar e de comunicar, etc. mas o que acontece é que
tudo isso fica para dentro. Nós gostámos muito, tivemos mesmo em êxtase, mas ao
sair do espetáculo voltamos para casa, gostámos, mas não acontece nada... O feed back nos jornais é geralmente uma crítica sempre
descritiva porque tem-se medo de inscrever. Não se ousa criticar porque se tem
medo".
Relativamente à inveja, José
Gil admite que "não é uma
característica portuguesa, antes um dos sentimentos mais espalhados pelo mundo.
Simplesmente acontece que em Portugal a inveja tem uma força tal porque nós
somos uma sociedade fechada. E quando as sociedades se fecham, tudo se
concentra, tudo se paralisa, tudo se adensa e não respira. Uma universidade é um antro de inveja em qualquer parte do mundo, seja
nos Estados Unidos, em França ou na Inglaterra. Mas vimos cá para fora e
respiramos ar puro. Em Portugal não, sai-se cá para dentro e não para fora",
refere, defendendo, por isso, que a inveja está em toda a parte no País.
Para o autor, "a inveja, que tem imensas estratégias, não é uma relação puramente psicológica, é mais do que isso: trata-se de um sistema que tem autonomia e vive em meios fechados, que cria entraves àqueles que têm ideias, iniciativas e empreendimentos".
O
filósofo argumenta que "se nós nos
abrirmos ao exterior mudamos as condições de subjectivização e temos
possibilidade de ver florescer a mudança. Para que haja mudança, é preciso que
haja desejo de mudança. Nunca uma sociedade é completamente fechada, há sempre
fraturas, linhas de fuga. Uma das linhas de fuga pode ser a loucura. Eis alguém
que não quis ser moldado. Se há linhas de fuga, então procuremos as linhas de
fuga. Elas estão sempre na nossa singularidade. O que me impressiona no
Portugal normalizado de hoje é quão pouca diversidade existe na singularidade
portuguesa".