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Ensinar passos a quem vai correr diferente de nós


 
 
Quando eu fui professor do ensino básico costumava propor aos meus alunos um jogo que intitulei “Não é normal”. A ideia era simples: sentávamo-nos num círculo no chão e todos repetiam “Não é normal…” e, de seguida, cada um, à vez, completava a frase dizendo o que, na sua opinião, não era normal.

O interessante do jogo – além do seu carater divertido – era a oportunidade de discutir o que é a “normalidade”. Por exemplo alguém dizia: (Não é normal) “um homem usar vestido”. E daí – depois de se identificarem culturas em que os homens vestem algo semelhante a um vestido – discutíamos a diversidade biológica e cultural da humanidade e muitos outros assuntos que lhe estavam associados.

Jogar o “Não é normal” é um desafio interessante para repensar – voltar a pensar – o papel da escola na nossa sociedade. Talvez exista um grande descompasso entre as competências que os jovens devem ter adquirido à saída da escola e aquilo que se pensa que a escola deve fazer para lhes permitir adquirir estas competências. Por exemplo: dizemos que os jovens devem ser empreendedores, dinâmicos, criativos, autónomos, com capacidade para resolver problemas... Mas, de forma contraditória, defende-se que, para que o jovem adquira estas competências, deve frequentar uma escola que seja transmissiva, diretiva, estrita e uniformizadora… É aqui que o jogo “Não é normal” nos pode ajudar a perceber que certas estratégias, objetivos e funcionamento da escola não são adequados para que os jovens sejam formados para aquilo que a sociedade tanto preza e valoriza. E vamos dar quatro exemplos:

1. A escola deve preocupar-se com o desenvolvimento integral da criança. Na verdade, se não for a escola a assegurar este desenvolvimento, quem o fará? Sabemos que as famílias não se encontram disponíveis nem capacitadas para desempenhar todo este papel. Muito do desenvolvimento global da criança se passa sob a responsabilidade da escola. As famílias confiam nas escolas para que elas desempenhem e bem esta função que está longe de ser exclusivamente académica. Hoje a escola é um ambiente de desenvolvimento de numerosas capacidades, atitudes e conhecimentos que são essenciais para a vida adulta. Se assim é, “Não é normal” que a escola afunile as competências para a Língua Materna e para a Matemática. Precisamos sim de um currículo que cubra as áreas do desenvolvimento integral do aluno: o estudo e a intervenção no meio, a música, as artes, a motricidade, a socialização, a solidariedade, a análise crítica, a cidadania, a ecologia, etc.


2. A criatividade é um pilar do desenvolvimento e – cada vez mais – do sucesso da pessoa. Sabemos hoje que a criatividade pode ser mais ou menos exuberante em cada ser humano mas sabemos igualmente, que se podem criar ambientes que incentivam, acarinham e apoiam a criatividade e permitem às pessoas a ir mais além nesta sua capacidade. Precisamos por isso de criar nas escolas ambientes que acolham e ajudem a florescer a criatividade. Se assim é, “Não é normal” que entupamos a vida escolar das crianças com aulas, mais aulas e mais aulas, na esperança insensata que a criatividade se desenvolva tal como uma erva teimosa que desabrocha na frincha de dois monólitos de granito.

3. Sabemos que o sucesso na escola é preditivo do sucesso na vida. Disse “preditivo” e não determinante. A escola deve ter um papel decisivo na organização da vida prática e dos valores dos alunos. O insucesso na escola é também o insucesso na organização da vida e uma formação de valores reativa face à escola e ao conhecimento. Por isso é fundamental que a escola cuide do sucesso de todos os alunos (não é gralha, é mesmo “todos”). Sucessos diferentes, sem dúvida, porque as escolas não podem colocar entre as suas opções educativas a possibilidade de insucesso. Se assim é, “Não é normal” que as escolas não tratem cuidadosamente do apoio aos seus alunos que evidenciam dificuldades: o apoio aos professores que os ensinam, o apoio às famílias que por vezes não entendem o que se passa, o apoio aos alunos que não vêm saída para ultrapassar o seu afastamento da escola, enfim o apoio à turma para trabalhar em entreajuda.

4. Os desafios para educar uma criança no século XXI são muito diferentes do que seriam há 20 ou 30 anos. Sabemos que a escola tem de procurar novas formas de ensinar, tem de procurar novos significados para a sua missão, diferentes estratégias, mesmo diferentes conteúdos. A escola não é uma instituição intemporal e necessita de se modificar tal como a sociedade e os alunos que lhe chegam se modificam. Se assim é, “Não é normal” que se defenda a que a escola deve regressar aos modelos transmissivos, à organização estrita e rígida do passado. As soluções do passado nem resolveram os problemas do passado, nem – muito menos – resolvem os problemas do presente.

Não é fácil encontrar uma solução para o sucesso da Educação. Diria mesmo que é impossível encontrar “uma” solução. Existem muitas possibilidades, todas no caminho mais ou menos longo do sucesso. Precisamos de desenvolver nas pessoas e nas instituições uma atitude de “heurística”, de caminho, de procura permanente das soluções possíveis, mais justas e mais adequadas.

Precisamos, pois, de apoiar as escolas e os professores para se adaptarem a uma tarefa de uma grande complexidade e incerteza: a de ensinar os primeiros passos a pessoas que – de certeza – irão correr de forma diferente da deles. Muitos professores sabem fazer isto e muitos outros estão disponíveis e ativos para aprender como se dinamizam processos de aprendizagem cuja finalidade é holística, criativa, apoiada e diversa. E isso é que “normal”(?).

David Rodrigues, in Jornal público de 26/06/2013

 

David Rodrigues é professor universitário e presidente da Pró-Inclusão – Associação Nacional de Docentes de Educação Especial.

Habemus Papam, Habemus duo Pap

 
«Estamos a avançar para uma ditadura de relativismo que não reconhece nada como certo e que tem como objetivo central o próprio ego e os próprios desejos».
Joseph Ratzinger, in homilia que dominou a missa «Pro eligendo Romano Pontifice».
 

A renúncia do Papa Bento XVI trouxe abalo e desilusão a uns, surpresa, e ainda compreensão e admiração a outros. Para mim foi um ato de grande humildade e generosidade.
Uma certeza porém temos, estamos a viver uma época muito rica em acontecimentos, e a renúncia de Bento XVI (o primeiro Papa a renunciar nos últimos 600 anos), que continua como Papa emérito, e a eleição do novo Papa Francisco I, faz-nos sentir que ficámos mais ricos, por termos a sorte em podermos assistir a um acontecimento como este, sem que tivéssemos que perder um deles para sempre.
Nunca estivemos tão acompanhados!
Como nos diz João Pereira Coutinho, in Correio da Manhã – 15/03, “Quando Ratzinger foi eleito, ‘Bento’ era uma homenagem a Bento XV, que enfrentou a 1ª Guerra; mas também a S. Bento, que ajudou a apanhar os cacos da civilização depois das invasões bárbaras. A visão de Ratzinger era uma visão de resistência ante a ‘ditadura do relativismo’.
O novo ‘Francisco’ evoca Francisco de Assis e a sua postura despojada e benemérita. Mas é igualmente uma referência a Francisco Xavier, o grande evangelizador, o que prova que o novo Papa está atento ao principal desafio da Igreja: não perder uma Europa ‘descristianizada’; não perder a (sua) América Latina para as congéneres evangélicas; e não perder os católicos de África (e da China) com as perseguições lá praticadas.
Se a tudo isto o novo Papa juntar mão firme no governo da Cúria e punição exemplar para crimes ou abusos (ser jesuíta é óptimo sinal), a expressão ‘temos Papa’ poderá ser usada com dupla propriedade.”  (Texto escrito com a antiga grafia)
Fonte: http://www.tsf.pt/ http://www.cmjornal.xl.pt/