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O que é a Liberdade?


“Liberdade é para o homem o que o céu é para o condor”
Castro Alves

 
Eu passei a adolescência e a juventude sob o regime da ditadura e isso significou, entre outras coisas, a censura. Não havia liberdade de expressão naquela época. Jornais e revistas tinham trechos cortados, diversos filmes não puderam ser exibidos por um longo período e alguns livros não podiam ser vendidos livremente. Tudo em nome da segurança nacional. Para quem estava no poder durante a ditadura, pensar de modo diferente colocava em risco o modelo de sociedade que eles idealizavam.

Aliás, a liberdade de expressão foi um dos componentes da liberdade que foi suprimida. A liberdade estava comprometida como um todo. E por falar nisso, o que é liberdade.

Esse é um conceito difícil de definir já que, como foi e é muito influenciado por ideologias e interesses dos mais diversos, está bastante distorcido. Em uma pesquisa feita com jovens, o conceito de liberdade para eles é bem simples: fazer o que quer, quando e como quer. Dá para perceber como essa noção, para eles, está influenciada pela ideologia do individualismo.

Para Hannah Arendt, esse conceito restrito de liberdade (de ir e vir e de agir conforme a própria vontade, por exemplo) surge quando o sujeito perde a liberdade no espaço público, ou seja, perde o contato com seus pares e o livre debate de ideias com base no pensamento plural e em um ambiente público organizado. Para essa pensadora, o conceito de liberdade tem, portanto, um caráter essencialmente político.

Eu me lembro de que um amigo da juventude teve de sair do país porque aqui era perseguido por suas ideias. De vez em quando ele retornava por curtos períodos e tínhamos a oportunidade de conversar. Minha maior curiosidade era a de saber da experiência dele de viver em um país em que os livros – sem restrição - estavam todos disponíveis. Nunca me esqueço da resposta que ele me deu. Ele disse que no país em que vivia na época, a situação era muito pior porque as pessoas não queriam ler muitos dos livros aqui proibidos, porque estavam convencidas de que não valia a pena, ou seja, o pensamento estava massificado.

Algumas vezes penso que o mundo contemporâneo, que nos contempla com tanta diversidade em todos os campos – estilos de vida, correntes de pensamento, comportamento, ciências etc. -  retirou de muitos de nós o pensamento crítico e, portanto, a liberdade de pensar e de agir.

Vejamos alguns exemplos. Atualmente temos todo tipo de calçados e roupas e em todos os tamanhos, mas a maioria se veste de modo muito semelhante e, pelo menos as mulheres, querem usar apenas os manequins 38 ou 40. Temos uma diversidade enorme de maneira de ser, mas todos querem ser iguais: no comportamento, na aparência do corpo, nas preferências, no ritmo do pensar, entre outras coisas.  Temos lugar para todo tipo de gente, mas acreditamos que precisamos ser extrovertidos, alegres, jovens e ter uma imensa rede social de “amigos”. E por aí vai... O que buscamos? Ausência de conflitos, anular as diferenças, aceitação social...

Liberdade de expressão combina sempre com conflitos de ideias. E nada mais salutar para o crescimento do que travar contato com pensamentos diversos. Hoje não temos quase (quase!) censura institucional talvez porque a tenhamos internalizado. Estamos submetidos a pensamentos quase (quase!) totalitários.

Já observaram como é comum a postura de, ao travar contato com livros, textos, análises etc., concluir que concordamos ou não concordamos? Essa talvez seja a melhor garantia de nada mudar. Quando concordamos é sinal de que já pensávamos assim; quando discordamos, recusamos o diálogo e o conflito que poderia – quem sabe? – inaugurar outros pensamentos diferentes dos dois anteriores.

Este blog teve, em sua origem, uma intenção: a de estimular o livre debate, o diálogo e o embate de ideias a respeito da educação informal e formal neste mundo tão complexo. Mas isso ficou bem difícil, não é verdade? 
 
Rosely Sayão, in http://blogdaroselysayao.blog.uol.com.br/

Rosely Sayão é psicóloga formada pela PUC de Campinas e atua há mais de 30 anos. É consultora em educação e ministra palestras em escolas e empresas sobre educação de crianças e adolescentes. Colunista da Folha de São Paulo – do Caderno Equilíbrio, da Band News FM. Livros publicados: “Família: modos de usar” (2006, Editora Papirus), “Em defesa da escola” (2004, Editora Papirus), “Como educar meu filho?” (2003, Publifolha).





Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=vkj2cQzIg8A ; http://www.cpflcultura.com.br/palestrante/rosely-sayao/


A História Educacional dos Filhos


"A educação é um processo social, é desenvolvimento. Não é a preparação para a vida, é a própria vida."

John Dewey


As formas de educar os nossos filhos são variadas. Mesmo hoje em dia, diversas são as opiniões sobre a melhor maneira de formar as nossas crianças para serem futuros adultos éticos e de bom caráter.

Pensar a evolução da educação dos filhos ao longo dos anos, suas bruscas alterações ao longo do século XX e suas permanências, é repensar o que ainda fazemos de errado e o que já melhoramos na construção educacional do futuro.

Mudanças económicas, sociais e até mesmo tecnológicas, fizeram com que as práticas de nossos pais, avós, bisavós e de outras gerações anteriores, já não sejam olhadas como válidas; mas não podemos descartar o que ainda é preciso manter dessas mesmas tradições educacionais.

Neste encontro, Rosely Sayão traça a evolução da educação dos nossos filhos e provoca a reflexão sobre nossos erros, para que arrisquemos projetar o futuro para a educação daqueles que mais amamos.

Rosely Sayão é psicóloga e consultora em educação. Autora de diversos livros como “Em defesa da escola” e “Família: modos de usar”.



Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=IuGJ06mtdOM
 
 

Exorcizando as Emoções Venenosas


Na essência dos seres humanos
Há sempre um janela aberta
Uma possibilidade concreta
De transformar os sonhos

Porém, em suas incessantes buscas pela felicidade
Esquecem o mais elementar
Que é o sentido de compartilhar
Para que seja possível mudar a realidade

É necessário ceder e doar,
tolerar e acolher
Transigir e dialogar
Conquistar e sobretudo, fazer:

" ... fazer da vida, um convite à liberdade
e ao despertar da “humaneza” latente
cá dentro de cada um de nós, somos mais
e talvez possamos descobrir outros caminhos, aportar em nossas mesmas terras, mares e rios…"

AjAraújo*


Hoje trago aqui uma conversa entre o psicólogo Marco Aurélio Bilibio e todos nós, que nos ajuda a compreendermo-nos uns aos outros.

Fala-nos sobre a função psicológica das emoções e do seu papel na autorrealização e no adoecimento psíquico a partir de uma abordagem budista.

As emoções dão colorido à nossa vida, mas tornam-se tóxicas quando se transformam em feridas afetivas de que não sabemos mais libertar-nos.

As emoções tóxicas estão na raiz de vidas insatisfatórias e de pouca realização. Quando se tornam epidemias sociais levam à desorganização familiar e comunitária. Na vida profissional podem gerar prejuízos grandes à carreira das pessoas, levando a relações conflituosas e à desmotivação.

Além da compreensão da dinâmica emocional, Marco Aurélio focaliza também atitudes e posturas que podemos aprender para nos desintoxicarmos dessas fixações e recobrarmos o fluxo natural de emoções nutritivas, tanto na vida pessoal como na profissional.

Marco Aurélio Bilibio é Psicólogo Clínico há vinte anos e possui orientação claramente fenomenológica. É Mestre em Psicologia Clínica e Cultura pela Universidade de Brasília (2005) e Doutorado  em Desenvolvimento Sustentável (com finalização para 2012), também na UnB, na proposição de um diálogo entre  a Ecopsicologia e a Abordagem Gestáltica. Foi pioneiro na apresentação de trabalhos em Ecopsicologia e Gestalt nos Congressos Nacionais e Internacionais de Gestalt Terapia.


*Alberto Araújo é um médico e poeta brasileiro, natural de Santanésia, distrito de Piraí, Rio de Janeiro. Tem por ofício a medicina e dedica-se a cuidar das pessoas vítimas do tabaco e doenças respiratórias ocupacionais. Escreve desde os 12 anos sobre temas humanistas: espiritualistas, ambientais, político-sociais e românticos. Busca fazer da arte do verso uma ferramenta crítica que propicie reflexão e tomada de consciência para as mudanças sociais. Escreve sobre temas dentro do contexto histórico, social e político em que vive e labuta. Sonha ver a humanidade caminhar para um futuro de maior compromisso planetário, solidariedade e desenvolvimento da espiritualidade.


Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=gG75OPKc3-c; http://publicartextos.aaldeia.net/o-sentido-da-amizade/; http://www.luso-poemas.net/modules/news/article.php?storyid=105588 ;http://www.comunidadegestaltica.com.br/

“Há tantas auroras que não brilharam ainda”

 
 
 
Não direi que me encantas mais do que o silêncio
porque é assim que despertas as aves e os caminhos.
Meus olhos também nascem pelo parto da esperança
porque vivo na imortalidade
renascendo em cada dia.

 
Deixa-me rever em prece tua face ressurgida
porque tua luz é sempre uma catarse.
Teu olhar estende as linhas do horizonte
e toda a paisagem é  então uma ventura
e já não és mais nada
porque desfaleces no seio da beleza.

 
Repara como sou pequeno diante do teu rosto amanhecido
mas como é grande o que em mim te contempla.
Para renascer basta-me apenas teu momento
tua humilde majestade
tuas pétalas de fogo
e essa corola ardente
porque não  peço nada mais que a tua luz
inaugurando o mundo em cada alvorecer
e que nunca me encontres cego ou vencido.

 
 Manoel de Andrade, Aurora, inCANTARES”

 
Nietzsche, ainda há tantas auroras

Nesta palestra, o professor Oswaldo Giacoia Jr., curador do módulo “Filosofia e Sabedoria”, apresenta um recorte sobre o pensamento de Nietzsche a partir do livro “Aurora - Pensamentos sobre os preconceitos morais”.

Aurora de Nietzsche marca o despertar de uma nova moralidade. É a emancipação da razão diante da moral. O poder liberador da razão que tem em si a capacidade de desmistificar significados socias instituídos pela tradição; o individuo na sua atividade racional descobre-se como criador de novos valores, sendo capaz portanto de romper o elo histórico que une tradição e moralidade, opondo-lhe o binómio razão e afirmação de si.

Assim como a aurora anuncia um novo dia, Aurora para Nietzsche é também um novo despertar para uma verdadeira vida – do homem e da humanidade inteira.

Usando a epígrafe dessa obra como referência inicial, Oswaldo Giacoia Jr expõe nesta excelente palestra, o esforço de Nietzsche para mostrar aos seus contemporâneos a importância de refletir sobre o conceito de auto-supressão moral.

Oswaldo Giacoia Jr é doutor em filosofia pela Universidade Livre de Berlim e professor de ética e história da filosofia contemporânea do Departamento de Filosofia da Universidade Estadual de Campinas.


Fontes: http://palavrastodaspalavras.wordpress.com/2008/04/21/aurora-poema-de-manoel-de-andrade/; https://www.youtube.com/watch?v=vcTt2bOYitw ; http://p33rz.p3.funpic.org/biblioteca/Nietzsche,%20Friedrich/Nietzsche-Aurora.pdf

 

Ler “Aurora - Pensamentos sobre os preconceitos morais” de Nietzsche,  em: http://p33rz.p3.funpic.org/biblioteca/Nietzsche,%20Friedrich/Nietzsche-Aurora.pdf
 

Ensinar passos a quem vai correr diferente de nós


 
 
Quando eu fui professor do ensino básico costumava propor aos meus alunos um jogo que intitulei “Não é normal”. A ideia era simples: sentávamo-nos num círculo no chão e todos repetiam “Não é normal…” e, de seguida, cada um, à vez, completava a frase dizendo o que, na sua opinião, não era normal.

O interessante do jogo – além do seu carater divertido – era a oportunidade de discutir o que é a “normalidade”. Por exemplo alguém dizia: (Não é normal) “um homem usar vestido”. E daí – depois de se identificarem culturas em que os homens vestem algo semelhante a um vestido – discutíamos a diversidade biológica e cultural da humanidade e muitos outros assuntos que lhe estavam associados.

Jogar o “Não é normal” é um desafio interessante para repensar – voltar a pensar – o papel da escola na nossa sociedade. Talvez exista um grande descompasso entre as competências que os jovens devem ter adquirido à saída da escola e aquilo que se pensa que a escola deve fazer para lhes permitir adquirir estas competências. Por exemplo: dizemos que os jovens devem ser empreendedores, dinâmicos, criativos, autónomos, com capacidade para resolver problemas... Mas, de forma contraditória, defende-se que, para que o jovem adquira estas competências, deve frequentar uma escola que seja transmissiva, diretiva, estrita e uniformizadora… É aqui que o jogo “Não é normal” nos pode ajudar a perceber que certas estratégias, objetivos e funcionamento da escola não são adequados para que os jovens sejam formados para aquilo que a sociedade tanto preza e valoriza. E vamos dar quatro exemplos:

1. A escola deve preocupar-se com o desenvolvimento integral da criança. Na verdade, se não for a escola a assegurar este desenvolvimento, quem o fará? Sabemos que as famílias não se encontram disponíveis nem capacitadas para desempenhar todo este papel. Muito do desenvolvimento global da criança se passa sob a responsabilidade da escola. As famílias confiam nas escolas para que elas desempenhem e bem esta função que está longe de ser exclusivamente académica. Hoje a escola é um ambiente de desenvolvimento de numerosas capacidades, atitudes e conhecimentos que são essenciais para a vida adulta. Se assim é, “Não é normal” que a escola afunile as competências para a Língua Materna e para a Matemática. Precisamos sim de um currículo que cubra as áreas do desenvolvimento integral do aluno: o estudo e a intervenção no meio, a música, as artes, a motricidade, a socialização, a solidariedade, a análise crítica, a cidadania, a ecologia, etc.


2. A criatividade é um pilar do desenvolvimento e – cada vez mais – do sucesso da pessoa. Sabemos hoje que a criatividade pode ser mais ou menos exuberante em cada ser humano mas sabemos igualmente, que se podem criar ambientes que incentivam, acarinham e apoiam a criatividade e permitem às pessoas a ir mais além nesta sua capacidade. Precisamos por isso de criar nas escolas ambientes que acolham e ajudem a florescer a criatividade. Se assim é, “Não é normal” que entupamos a vida escolar das crianças com aulas, mais aulas e mais aulas, na esperança insensata que a criatividade se desenvolva tal como uma erva teimosa que desabrocha na frincha de dois monólitos de granito.

3. Sabemos que o sucesso na escola é preditivo do sucesso na vida. Disse “preditivo” e não determinante. A escola deve ter um papel decisivo na organização da vida prática e dos valores dos alunos. O insucesso na escola é também o insucesso na organização da vida e uma formação de valores reativa face à escola e ao conhecimento. Por isso é fundamental que a escola cuide do sucesso de todos os alunos (não é gralha, é mesmo “todos”). Sucessos diferentes, sem dúvida, porque as escolas não podem colocar entre as suas opções educativas a possibilidade de insucesso. Se assim é, “Não é normal” que as escolas não tratem cuidadosamente do apoio aos seus alunos que evidenciam dificuldades: o apoio aos professores que os ensinam, o apoio às famílias que por vezes não entendem o que se passa, o apoio aos alunos que não vêm saída para ultrapassar o seu afastamento da escola, enfim o apoio à turma para trabalhar em entreajuda.

4. Os desafios para educar uma criança no século XXI são muito diferentes do que seriam há 20 ou 30 anos. Sabemos que a escola tem de procurar novas formas de ensinar, tem de procurar novos significados para a sua missão, diferentes estratégias, mesmo diferentes conteúdos. A escola não é uma instituição intemporal e necessita de se modificar tal como a sociedade e os alunos que lhe chegam se modificam. Se assim é, “Não é normal” que se defenda a que a escola deve regressar aos modelos transmissivos, à organização estrita e rígida do passado. As soluções do passado nem resolveram os problemas do passado, nem – muito menos – resolvem os problemas do presente.

Não é fácil encontrar uma solução para o sucesso da Educação. Diria mesmo que é impossível encontrar “uma” solução. Existem muitas possibilidades, todas no caminho mais ou menos longo do sucesso. Precisamos de desenvolver nas pessoas e nas instituições uma atitude de “heurística”, de caminho, de procura permanente das soluções possíveis, mais justas e mais adequadas.

Precisamos, pois, de apoiar as escolas e os professores para se adaptarem a uma tarefa de uma grande complexidade e incerteza: a de ensinar os primeiros passos a pessoas que – de certeza – irão correr de forma diferente da deles. Muitos professores sabem fazer isto e muitos outros estão disponíveis e ativos para aprender como se dinamizam processos de aprendizagem cuja finalidade é holística, criativa, apoiada e diversa. E isso é que “normal”(?).

David Rodrigues, in Jornal público de 26/06/2013

 

David Rodrigues é professor universitário e presidente da Pró-Inclusão – Associação Nacional de Docentes de Educação Especial.

História de um Homem com Pensamento Vivo


«Agostinho da Silva - Um pensamento Vivo» foi filmado entre fevereiro de 2001 e setembro de 2003, em Portugal e no Brasil.
 
Marcado pelo gosto do paradoxo, pela independência e inconformismo das ideias e por invulgares dons de comunicação oral e escrita, a figura ímpar de Agostinho da Silva desenha-se num singular misto de sábio, visionário e homem comum, no qual o pensamento e a vida se confundem.
 
Este filme percorre o trajeto biográfico, a vida e a obra deste grande pensador e humanista luso-brasileiro. A narrativa - adaptada de textos autobiográficos - inicia–se em Portugal, desde a sua infância e formação intelectual até as suas primeiras obras escritas, passando pelo seu autoexílio brasileiro de 25 anos, a partir de onde desenvolveu projetos completamente únicos e inovadores em diversos continentes, vindo a culminar no seu regresso a Portugal, pouco antes do 25 de Abril, onde viveu o resto da sua vida, vindo a conhecer em inícios dos anos 90 uma popularidade e admiração invulgares.




http://cinema.sapo.pt/filme/agostinho-da-silva-um-pensamento-vivo/detalhes#sinopse ; https://www.youtube.com/watch?v=tTqM3eNFCbY&list=PL9D330881CF2ABA1E

Adolescer em tempo de crise


 
Descrevemos como susto a idade adulta não dando, aos adolescentes e aos adultos em geral, a ideia de que é ao ser adulto que se tem a maior liberdade, a maior capacidade de decisão e quando se é verdadeiramente mais senhor do próprio destino e do seu percurso de vida.

A lavagem do carro

Imaginem que levam o vosso carro à máquina de lavagem automática. Dirigem-se a uma gasolineira, conduzindo-o, e seguem as instruções da pessoa que lá está. Ele vai dizendo: "mais à direita, mais à esquerda, assim… pode parar!". A partir daí, a máquina pegará no automóvel e, por mais que o leitor faça, não conseguirá mudar o rumo das coisas, designadamente do seu automóvel. O que for, será.

A grelha da máquina «agarrará» nas rodas do carro e levá-lo-á por aí, em direção a umas ameaçadoras escovas e a jactos de água, que despejarão detergente e espuma (o leitor deixará de ver o que se passa), depois mais água e, finalmente, uma outra máquina ameaçadora, que vem em direção ao seu vidro e – confesse, leitor! – pensará sempre que aquela barra que despeja jactos de ar quente não perceberá que tem um vidro, um carro e o leitor à frente e fará uma razia em linha recta, decapitando-o.

No final deste filme, o leitor ficará satisfeito com o trabalho, o seu carro está limpo e brilha, sobretudo se tiver pedido o programa mais caro mas mais completo, e segue então viagem, novamente com poder sobre o volante e sobre o rumo do seu destino.

A adolescência é assim. Tão fácil? Ou tão difícil?

O que é um adulto?

Ou, melhor, escrevendo o que dizemos nós adultos, aos adolescentes sobre o que é ser adulto. Pegue-se num telejornal, num jornal ou numa revista: tirando algumas excepções (bastantes, mas não as suficientes), os adultos são descritos como assassinos, pedófilos, corruptos, mentirosos, gente de objectivos rasteiros, gente que aparece porque está "in" e está "in" porque aparece o inefável jet set, grandes traficantes, maus políticos, exploradores e outros que tais. Ou, então, as vítimas desses mesmos adultos. Nós próprios ao falarmos de nós queixamo-nos permanentemente do trabalho, do cansaço, do IRS, do fisco, do Governo, da malandragem, da troika e dos ladrões e… de tudo. Ser adulto é, pois, uma questão simples. Ser adulto equivale, assim, a uma de duas coisas: ser malandro ou ser vítima de malandro.

O discurso sobre a adultícia ainda é pior, quando acrescentamos a Rádio Nostalgia: a criança que há em nós, a liberdade da infância, os bons velhos tempos em que éramos jovens e não tínhamos responsabilidades.

No entanto, a cereja no topo do bolo é quando dizemos – talvez com razão, mas com alguns efeitos secundários indesejáveis – que os erros do passado e detectados no presente vão ser pagos (e de que maneira!) pelas gerações seguintes. Não discuto se é verdade ou mentira que cada português, ao nascer, já está a dever balúrdios a toda a gente, seja aos mercados, seja à senhora Merkel. Que sei eu! Mas para quem está na adolescência, a ver-se, qual automóvel em máquina automática de lavar, engatilhado nas roldanas sem poder acelerar, travar, virar à esquerda ou à direita e quando lhe dizem que as escovas que vêm aí são terríveis, a dúvida é o que vai sair do outro lado. Um carro limpo e brilhante, ou uma amálgama de ferros torcidos e a pintura riscada de modo indelével?

Teremos, assim, de mudar o discurso sobre a adultícia, mais do que repetir os chavões do costume sobre a adolescência – período descrito por muitos pais como "terrível", cheio de problemas e um susto. O que descrevemos, sem dar por isso, talvez, como susto é a idade adulta, não dando aos adolescentes e aos adultos em geral a ideia de que é, ao ser adulto, que se tem a maior liberdade, a maior capacidade de decisão e quando se é verdadeiramente senhor do próprio destino e do  percurso de vida.

Ser adolescente em tempo de crise

O nosso país está em crise, o mundo está em crise. Que grande novidade… Não sabemos o que o futuro nos reserva, os tempos estão e serão difíceis. Que grande novidade… Os jovens nem sabem o que os espera! (e alguém sabe?).

Curiosamente, o facto de as sociedades terem vivido períodos enormes de crise, da palavra crise significar "crescimento e oportunidade", de esta crise se dar (no nosso país) em níveis de desenvolvimento nunca antes atingidos e de as gerações anteriores terem, elas mesmas, passado sempre "as passas do Algarve", parece ser obliterado, branqueado, esquecido. É como se o mundo, antes de nós, fosse uma maravilha e o futuro um buraco negro para onde, sem hipóteses de fuga, avançamos.

Quem viu o filme de Woody Allen, Meia Noite em Paris, recordar-se-á da vontade de muitas das personagens em regressar à geração anterior, com a ilusão de que o mundo era muito melhor do que é no tempo em que vivem. O próprio realizador comentou, numa entrevista, com o sarcasmo que lhe é conhecido: "prefiro viver num mundo cheio de problemas mas com antibióticos!". A ideia de que "antes é que era bom" é errada. "Antes" poderia ser bom para alguns, mas era muito mau para a larga maioria. O presente – então em Portugal, isto assume proporções quase gigantescas – é muito melhor do que o passado, pelo que é previsível (é certo!) que o futuro será melhor do que o presente. Só que, em termos históricos, o futuro não se escreve num dia ou num ano, e também não apenas numa dimensão económica, mas sim em décadas e em diversas perspectivas: a económica e financeira, com certeza, mas a social, ética, cultural, etc. As gerações dos nossos pais e avós passaram tempos terríveis: II Grande Guerra, Guerra Colonial, ditadura fascista… tanta coisa de que, felizmente por um lado, infelizmente pelo outro, os adolescentes não conhecem e os adultos já esqueceram. Quem tinha 18 anos no 25 de Abril terá agora 55…

Que solução?

É bom que o nosso discurso mude, deixando vitimizações de lado e a conversa fiada da infelicidade, da perseguição pelos outros e pelo Estado, e do quão coitadinhos somos. É importante, na minha opinião, que os nossos filhos saibam várias coisas e que isso seja acentuado:

1. Que ser adulto é ter uma fase da vida de enorme liberdade, e que essa liberdade será tanto maior quanto a pessoa decidir, desde cedo, ser senhor do seu percurso de vida e entender os graus de liberdade que tem relativamente a ele, através das escolhas correctas e da reflexão e ponderação sobre essas escolhas – quem pensar que está tudo predestinado ou que o que decidir hoje não tem impacte no amanhã estará, sim, a cavar um futuro perigoso. As teorias do carpe diem, ou do "viver cada dia como se fosse o último", por muito gentis e engraçadas que sejam, esquecem-se de um pequeno pormenor: é que tudo seria correcto se morrêssemos amanhã mas se não morrermos – o que será certamente o caso – o nosso futuro será mais difícil e pior se hoje não pusermos as pedras adequadas na calçada do nosso percurso de vida.

Ter a cabeça nas nuvens mas os pés bem assentes na terra parece-me uma solução engenhosa, criativa e eficaz…

2. Que as crianças e adolescentes têm uma vida como nunca tiveram em bens, liberdade, educação, opções de produtos e bens, conhecimento científico, acesso à informação e ao conhecimento, equipamentos, sociedade legislada e organizada, enfim, uma vida que as gerações anteriores ambicionariam ter e que construíram – não foi apenas a crise que lhes legaram, mas sobretudo uma sociedade de tolerância, democracia e liberdade.

Nunca, como hoje, se viveram tempos de tanto respeito pelos direitos humanos, de abundância e tanta qualidade de vida. Esta afirmação é fundamentada em factos, não é apenas opinativa.

3. Que o "quero tudo, já!" que reflecte o regresso à fase da omnipotência narcísica dos 15-18 meses de idade, e que muitas das crianças e adolescentes veem consagrado no seu dia-a-dia com pais que lhes dão tudo sem esforço e sem conquista, que consagram os seus desejos ao mínimo "piu", não esclarecendo que as expectativas não podem ser iguais à realidade e que é através do trabalho, da sabedoria, e da vida, no seu percurso, que se irão obter mais e mais coisas, tem de acabar porque não é exequível nem justo. O "quero tudo, já!" que se viu concretizado nos cartõezinhos mágicos que bancos e lojas davam às pessoas (como se fosse possível ter crédito ilimitado sem que alguém viesse depois pedir contas e juros, ou até mesmo como se fosse lógico, ético e moral contrair dívidas para gozo efémero e imediato sem que, no futuro, isso viesse a cair sobre quem as contraiu), tem de acabar com o "não!" que dizemos aos nossos filhos de ano e meio ou dois anos, quando nos pedem mundos e fundos.

O "não" é estruturante, desde que dito com afecto e firmeza, coerência e consistência. Seria aliciante não haver código da estrada, mas o caos no trânsito que se seguiria seria um preço demasiado caro a pagar, para lá da ineficácia e de não chegarmos a lado nenhum por termos tudo entupido à nossa frente. Com o percurso de vida é igual, embora as margens do rio não devam ser nem tão estreitas que o rio entra em torrente, nem tão largas que o rio alaga tudo e não progride.

4. Que a vida é difícil, em alguns períodos mais, noutros menos, que há épocas de vacas gordas e outras de vacas magras, mas que a sábia gestão de bens, expectativas, desejos e trabalho, numa óptica estratégica e táctica, pode conseguir airbags que evitam males maiores e permitem uma boa navegação ao longo da vida.

Sem estar com um discurso do "Ó tempo volta para trás", é bom relembrar a história dos pais, da família, da comunidade, do país… porque a memória é curta, e muito mais quando houve uma revolução paradigmática em termos de informação e comunicação.

5. Que ser adolescente em tempos de crise é normal, porque a crise é inerente a todas as fases da vida, incluindo a adolescência e talvez até mais pela velocidade de crescimento, desenvolvimento, autonomia, identidade, projectos, afectos e outras coisas que tal e que cada um poderá dar a volta à crise se mantiver a lucidez, tentar a excelência de si próprio, esforçar-se por conseguir ultrapassar-se e assumir o aperfeiçoamento como objectivo de vida.

Os filhos não são nem podem ser a segunda edição do nosso livro, mesmo que com algumas correcções e emendas, e uma nova capa. Os filhos são o livro deles, com algumas dicas da nossa parte mas escrito por eles. Adolescer em tempos de crise é quase um pleonasmo. Mas, em todas as fases da vida, vivemos em crise, entrecortada por períodos de acalmia, de reflexão e também de fruição do que se foi estruturando e organizando, mas se a seguir à tempestade vem a bonança, como diria La Palice, a seguir à bonança virá necessariamente uma tempestade.

Continuemos a apoiar os nossos filhos, no seu processo de crescimento, segundo os princípios e valores que são os nossos, mas com uma grande capacidade de ouvir, escutar, dialogar, negociar e respeitar. Reciprocamente.

E mostremos – para nosso bem, igualmente –, que ser adulto é bom. Que o carro que vai sair do outro lado da máquina de lavar, depois da ameaça daquelas enormes escovas azuis que avançam à velocidade quase da luz, com barulhos e tremores, depois da nuvem branca de espuma que não nos deixa ver nada e da outra grande máquina de ar quente que avança em direcção a nós, o carro sairá do outro lado limpo e brilhante a cheirar bem e com aspecto novo, mesmo que subsistam alguns riscos e "cicatrizes" de factos passados. Mas, claro, como em tudo na vida, este sucesso dependerá da qualidade e afinação da máquina, da competência do operador e da vontade e força de vontade do próprio.

Há escolhas, dificuldades, obstáculos e crises. Mas há nós próprios, e é isso que temos de dizer aos adolescentes, caso contrário afirmar-nos-emos enquanto adultos como fracassados e falhados, o que, convenhamos, não será bom, nem para a nossa imagem, nem para o modelo que devemos ser (e que somos) para eles.

 

Mário Cordeiro, in Jornal o Público de 20/06/2013

O autor é médico e professor de Pediatria.

A Primeira Republica, a Ditadura, o Capitalismo e a CEE


“Mudar o mundo e a vida só se consegue se o homem se for mudando a si próprio. E para se mudar a si próprio tem sobretudo que escutar a vida. Pacientemente e humildemente, ver o que a vida lhe está a querer-lhe dizer e a que ponto o está empurrando.”

Agostinho da Silva


Sempre atuais estas Conversas Vadias com o Professor Agostinho da Silva, podem ser aplicadas tal como ontem, aos momentos que vivemos hoje.
Eis algumas frases de Agostinho da Silva, nesta entrevista:
 
 
"O importante era fazer as coisas, ligar e estar a declamar sobre elas"

"Naquele fim de Primeira República, com toda aquela gente extraordinariamente inteligente (...) não conseguia chegar a nenhuma espécie de organização de Portugal"

"Era Portugal ter tido dois regimes de portugueses, um era o do Rei governando os municípios republicanos e deu a volta ao Cabo da Boa Esperança e o outro foi de aguentar o desastre de Oriente e que depois teve de construir o Brasil, que não é coisa fácil para uma nação tão pequena, com tão reduzido número de pessoas e teve outro regime que foi o de se ouvir pouco as Cortes Gerais deixá-las bem espaçadas e deixando o Rei governando.
"Quando Dom João embarcou para o Brasil, esse segundo regime português foi embora e Portugal durante duzentos anos não teve nenhum regime português"


"A Primeira República não era um regime português era uma coisa qualquer importada de Inglaterra ou de França. A primeira Ditadura era uma coisa inspirada de algo que vinha de fora, que agora vejo que útil ao país foi, no sentido de que Portugal realmente estava sendo criticado em toda a parte, estava a "portugalizer", como se dizia naquela altura, quando nosso amigo veio lá de Coimbra, professor de Finanças, que percebia daquilo, pôr as Finanças em ordem, ele conseguiu manter aquela ordem financeira, que de resto o Afonso Costa já tinha tentado"


"E como havia gente que protestava e sentia que não era um regime adequado a Portugal, o nosso amigo teve que montar todo aquele aparelho policial, cadeias e pides e toda essa tralha".

BB: "De que o Sr. Professor foi vítima!"

"Eu fui vítima e fui favorecido. sabe? Porque se não fosse a Ditadura tinha ficado com o Doutoramento, com uma vida bem sossegada em Portugal e depois aborrecido da vida, porque não tinha visto o mundo ao passo que aqueles acontecimentos me obrigaram a ir embora e foram uma abertura para a Vida"
 
"Temos que dar qualquer jeito para que Portugal deixe de coxear e realmente se reinstale. Eu acho que o problema que está hoje diante de Portugal é de se reinstalar, de se restaurar (...) de voltar aquilo que os portugueses acharam que era o seu próprio Portugal"

"No final de contas não tenho feito mais do que apresentar e repetir o que foi a obra e o pensamento de muitos portugueses do séc. XIII, de Camões, do Padre António Vieira, de Fernando Pessoa. Não sou nenhuma espécie de génio ou de visionário."

"Ideias que não podiam ser aplicadas no tempo em que eles viveram, mas podem ser agora. Não só para que Portugal se reinstale, para que volte a si próprio, depois de ter sofrido a tal invasão europeia. Mas até para ajudar a Europa quando se fala de adesão de Portugal à CEE eu vejo aquilo como um desembarque na costa da Europa, para a ajudar, para ver se tem algum jeito depois de toda a confusão em que anda."

"Para que a Europa conseguisse tanta da sua tecnologia teve que sacrificar muito da sua Humanidade."

"A Economia Capitalista é a única que pode inaugurar a paz que é a de não haver carência para o Mundo. É a única que pode desenvolver o mundo até às condições - pelo que sabemos da Arqueologia - em que não faltava nada aos Homens, em que estes percorriam o Mundo à vontade e tinham sempre que comer."




Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=BE6oHRtcxN0; http://www.youtube.com/watch?v=YMSnaP7oudw

Novas subjetivações e o mal-estar na contemporaneidade


Com a globalização, vivemos com a sensação que perdemos o domínio de nós mesmos, vivemos numa sociedade de risco.

O propósito desta conferência é crcunscrever as novas formas de subjetivação na atualidade, indicando os impasses do discurso psicanalítico de se confrontar com um Mundo no qual o Estado perdeu o seu lugar de referência axial no espaço social, tendo como contrapartida a disseminação da economia neoliberal.

A questão da autoridade paterna foi também colocada na berlinda, de forma que o imaginário da barbárie se atualizou no espaço social. É nessa perspectiva que o Édipo como referencia ética foi colocada em questão.

Nela o psicanalista Joel Birman chama a atenção para três categorias fragilizadas:

1.    Corpo - estamos sempre aquém do que queremos. Há um cuidado corporal acentuado; a saúde ao contrário da alma transformou-se no nosso bem supremo e o Stress tornou-se uma palavra-chave nos dias de hoje.

2.    Ação - há um excesso de sexualidade, de violência e criminalidade. Como consequência surgem ações fracassadas - as compulsões às drogas, à comida, ao consumo.

3.    Sentimentos - referem-se a variações de humor, depressões e enfermidades como a síndrome do pânico.

Há ainda um empobrecimento no campo do pensamento e no campo da linguagem; surge a linguagem-ação. Como consequência dessa fragilização o sujeito prefere explodir pela ação - passagem ao ato - que o Psicanalista Dr. Jorge Forbes chama de sintomas da globalização, como os crimes inusitados.

Esta é uma excelente palestra do psicanalista Joel Birman no programa Invenção do Contemporâneo, promovida pela CPFL Cultura, sob a curadoria do psicanalista Jorge Forbes, e transmitido pela TV Cultura.

Joel Birman é Psicanalista, membro do Espaço Brasileiro de Estudos Psicanalíticos e do Espace Analytique, Professor Titular do Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro e Professor Adjunto do Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e Pesquisador do Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq).


A não perder!...



Fontes: https://www.youtube.com/watch?v=Qeb0Fs_N9eQ; http://www.cpflcultura.com.br/2009/12/01/integra-novas-subjetivacoes-e-o-mal-estar-na-contemporaneidade-joel-birman/

Greve aos Exames



A escola pública de qualidade é mais importante que a data de um exame

Quando alguém diz “Eu sou a favor das greves…” segue-se, em geral, uma adversativa que precede a explicação por que, desta vez, nesta data, neste sector e nestas circunstâncias, a greve é socialmente injusta, moralmente ilegítima, tacticamente errada ou políticamente contraproducente. As razões por que não se deve fazer greve desta vez variam em género, em grau e em combinatória, mas o resultado é sempre o mesmo: a greve é um direito inalienável dos trabalhadores consagrado na Constituição da República Portuguesa, mas, na opinião das pessoas que assim falam, deve ser usada apenas quando não possui absolutamente inconveniente nenhum para ninguém.

Ora a greve não pretende ser uma arma inócua. A greve é uma arma de último recurso, que se usa quando os trabalhadores consideram que está em causa a defesa de direitos importantes – seus ou da sociedade em geral – e quando já falharam as negociações. Se as negociações são o momento da racionalidade e da discussão, de pesar ganhos e perdas, de avaliar vantagens e inconvenientes de um lado e de outro, a greve é o momento da força. A greve não é um recurso retórico. A greve é uma arma que se usa numa situação de conflito e visa prejudicar o adversário, enfraquecer a sua posição e, acima de tudo, mostrar a força que o lado em greve possui, para regressar de novo à mesa das negociações e para conseguir chegar a um acordo que satisfaça as partes. A greve pretende sempre ser uma chamada à realidade do outro lado – que, frequentemente, pensa que pode dispensar os trabalhadores e impor unilateralmente as condições que lhe convêm. Há uma razão prática que limita o recurso à greve e que a torna, de facto, uma arma de uso excepcional: os trabalhadores que fazem greve perdem o salário correspondente, o que, principalmente em época de crise, não é algo que se aceite levianamente.

O argumento de que a greve dos professores vai prejudicar os alunos e, por isso, não deve ser feita, é tão pueril como dizer que as greves de transportes não devem ser feitas porque prejudicam os passageiros e as greves de recolha do lixo não devem ser feitas porque prejudicam os moradores. As greves prejudicam sempre alguém. É evidente que os grevistas têm de pesar os prejuízos que causam em relação às causas que defendem e aos benefícios que esperam. Não é aceitável que uma greve de trabalhadores da saúde se salde por uma única morte que seja. Mas considera-se que um certo grau de desconforto momentâneo da população é um preço aceitável a pagar pelo direito a defender os nossos direitos. E são “os nossos direitos” porque a greve não é algo que apenas os outros façam. A greve é uma ferramenta que todos temos na mão.

É evidente que podemos ter opiniões diferentes sobre a justeza de uma dada greve, mas são raros os que acham que os professores não têm, no caso vertente, razão suficiente de protesto, perante a tentativa de industrializar uma escola pública de baixo nível para os pobres e proletarizar os professores. O prejuízo dos alunos? Essa é a arma da greve. Nenhum professor deseja ou aceita que um aluno seja seriamente prejudicado pela greve – além do incómodo decorrente de, eventualmente, repetir o exame – mas essa é uma preocupação que, agora, o Governo deve assumir. Havendo greve, tem de ser dada possibilidade aos alunos de realizar exames noutras ocasiões, de forma a não os prejudicar. Vai ser uma grande confusão? Provavelmente. Mas essa é, mais uma vez, a arma da greve. Essa é a pressão da greve e, se não aceitarmos que uma greve possa dar origem a estas formas de pressão, isso significa que não aceitamos o direito à greve. Nem o dos outros, nem o nosso. Significa que, sejam quais forem as condições que nos imponham no nosso trabalho, achamos que não devemos ter o direito de parar de trabalhar.

É evidente que existem nas greves em geral, e também nesta, coisas irritantes. Além de alguma imaginação nos protestos, teria gostado de ver no centro das intervenções dos professores a defesa da escola pública, a defesa da qualidade do ensino e a defesa dos direitos dos jovens (incluindo daqueles que deviam ser alunos e não o são) em vez de quase exclusivamente os direitos dos professores – por muito que estes sejam de prezar. Não é apenas um erro retórico: é um erro político de consequências sérias. Seria importante aproveitar este momento para explicar de que forma todas as medidas deste Governo põem em causa a escola pública inclusiva e de qualidade que tem sido construída nas últimas décadas. Mas os sindicatos dos professores estão demasiado centrados numa defesa estreita dos direitos dos seus associados. É um erro político porque facilita à direita o uso da retórica dos “privilégios” e da “resistência à mudança”. É um erro político quando a greve e o “prejuízo dos alunos” tornam fácil a acusação de “egoísmo” àqueles que são o principal esteio da escola pública e os principais autores dos seus êxitos – que existem e seria bom lembrar nestes dias de greve.

José Vítor Malheiros, in Jornal o PÚBLICO de 11 de junho de 2013



Fonte: http://www.leituras.eu/?p=6537&utm_source=feedburner&utm_medium=feed&utm_campaign=Feed%3A+As-Minhas-Leituras+(As+Minhas+Leituras)

Ver também: Eixo do Mal » Eixo do Mal SIC Noticias Programa do Dia 15-06-2013 (http://www.videosbacanas.com/eixo-do-mal-sic-noticias-programa-do-dia-15-06-2013/)