Social ou Anti Social?

A Desigualdade Social

"Quando as palavras perdem o seu significado, as pessoas perdem a sua liberdade."

Confúcio

O conhecimento humano e a acção humana são fenómenos conceituais. Para a formação de conceitos, o uso da linguagem é fundamental. Ela é justamente a ferramenta que viabiliza a integração dos conceitos. Conforme escreveu Ayn Rand, "a linguagem é um código de símbolos visuais e auditivos que serve à função de converter conceitos no equivalente mental de concretos".

As palavras são essenciais para o processo de conceitualização e, portanto, para todo o pensamento. Isso é verdade para alguém isolado numa ilha ou na sociedade. Logo, aqueles que desejam inviabilizar o pensamento independente costumam escolher como principal alvo justamente os conceitos das palavras.
Em 1984, George Orwell tratou do assunto através do conceito de “duplipensar”, definido pelo autor como "a capacidade de guardar simultaneamente na cabeça duas crenças contraditórias e aceitar ambas". O mundo labiríntico do “duplipensar” consistia em usar a lógica contra a lógica, repudiar a moralidade em nome da moralidade, e aplicar o próprio processo ao processo. "Essa era a subtileza derradeira: induzir conscientemente a inconsciência e então tornar-se inconsciente do acto de hipnose que se acabava de realizar". Ou seja, o objectivo era a destruição dos conceitos bem definidos, fundamentais para o pensamento humano. Guerra passava a significar paz, ditadura passava a significar democracia, e social queria dizer anti-social. Este último termo é o foco desse artigo, pois o conceito da palavra "social" passou a ser tão vago, tão abstracto, tão flexível, que perdeu totalmente seu sentido objectivo. "Social" passou a ser uma palavra mágica, que associada a outra palavra qualquer, cria uma expressão que implica numa finalidade à qual quaisquer meios são justificáveis.

Para o austríaco Hayek, o adjectivo "social" tornou-se provavelmente a expressão mais confusa em todo nosso vocabulário moral e político. A extraordinária variedade dos usos da palavra, servem apenas para confundir, não para elucidar. O próprio Hayek fez um levantamento e encontrou nada menos que 160 termos associados ao adjectivo "social". Na maioria dos casos, o termo "social" anexado servia na prática para negar o sentido da palavra. Como exemplo, podemos pensar em justiça, e questionar o sentido de "justiça social", que quase sempre representa a destruição da própria justiça.

O uso do adjectivo "social" serve para insinuar que os resultados dos processos espontâneos do livre mercado foram, na verdade, fruto de uma criação humana deliberada. Em segundo lugar e como consequência disso, serve para instigar os homens a redesenhar aquilo que nunca foi desenhado por eles. Por fim, serve para esvaziar o sentido dos termos associados a este adjectivo vago. O exemplo já citado de "justiça social" é perfeito para ilustrar isso. A demanda que surge com o uso do adjectivo "social" ao lado de justiça é adoptar uma "justiça distributiva", que é irreconciliável com a ordem competitiva de mercado, causa do crescimento da riqueza e da própria população. O que essas pessoas chamam de "social" representa o maior obstáculo à própria manutenção da sociedade. Social aqui passa a significar anti-social.
Se retirarmos o véu que cobre os motivadores reais por baixo do adjectivo "social", fica evidente que essas pessoas falam em desigualdade material apenas, nada mais. Estão a condenar o facto de que alguns indivíduos conseguiram recompensas monetárias acima dos outros. Em suma, estão a olhar somente para a conta bancária, como se nada mais existisse na vida. Eles sabem que se usarem o termo verdadeiro, eles perderão a pose de nobreza que vem como resultado do uso do adjectivo "social". Ora, desiguais os seres humanos já são ao nascer! A genética é diferente, as paixões e interesses, a educação em casa, os anseios e metas, a inteligência e o esforço, a sorte. É simplesmente impossível atribuir peso para cada um desses itens, e é o resultado dessas características na livre interacção dos indivíduos que vai determinar as recompensas financeiras.
Isso não quer dizer valor, no sentido de estima, que é subjectivo. Um médico pode ser mais respeitado como indivíduo que um jogador de futebol, ainda que o último tenha uma conta bancária maior. Aqueles que pensam que justiça seria tirar à força o dinheiro do jogador para dar ao médico estão a assinar um atestado de materialistas, que só vêm dinheiro à frente. Como disse Benjamin Franklin, "aquele que é da opinião que dinheiro fará qualquer coisa, pode muito bem ser suspeito de fazer qualquer coisa por dinheiro". O carácter e a felicidade das pessoas não podem ser medidos pelo bolso. No entanto, parece ser justamente isso que os igualitários defensores da "justiça social" pensam. Eles apontam a desigualdade material e clamam por "justiça social", ou seja, saldos bancários similares.

O esforço não é garantia de sucesso no livre mercado competitivo. Aqueles que tentaram e não conseguiram a mesma recompensa que o vizinho, podem ser alimentados pela inveja. Ainda que compreensível, tal sentimento é destrutivo, e trabalha contra o interesse da sociedade, dos indivíduos. Somente quando o processo de mercado determina a recompensa financeira há um funcionamento eficiente da economia, permitindo maior criação de riqueza e conforto material para todos. Aqueles que, guiados por instintos primitivos, fingem defender a liberdade enquanto condenam a propriedade privada, os livres contratos, a competição, o lucro e até mesmo o próprio dinheiro, representam uma ameaça para a civilização. Eles acham que são movidos pela razão, e que podem definir de cima para baixo como arranjar os esforços humanos da melhor forma para atender os seus desejos, mas estão profundamente enganados.

Na realidade, eles usam e abusam do adjectivo "social", mas estão apenas deixando uma paixão anti-social falar mais alto: a inveja. Eis o que está por trás da máscara da maioria dos combatentes das "desigualdades sociais". Afinal, o foco de quem realmente se preocupa com os mais pobres deveria ser a pobreza em si, não as desigualdades, já que riqueza não é um bolo fixo. Um indivíduo fica rico no livre mercado somente criando valor para os demais. Michael Dell não teve que tornar ninguém mais pobre para ficar bilionário. Muito pelo contrário: ele ficou rico criando riqueza para os seus consumidores. A criação de riqueza, portanto, depende das tais "desigualdades sociais".

Quem pretende acabar com as desigualdades está mirando apenas na relação entre ricos e pobres, ignorando que os pobres melhoram de vida se os indivíduos à sua volta puderem ficar ricos. Se antes o meu transporte era uma carroça e agora posso andar de carro, não importa se o meu vizinho tem um Ferrari. A minha qualidade de vida melhorou, o meu conforto é maior, graças ao capitalismo. Focar apenas nas desigualdades materiais, ainda por cima disfarçando isso com o uso inadequado da palavra mágica "social", é um atentado contra a civilização, principalmente contra os mais pobres. Vamos atacar a miséria em si, e isso se faz com o capitalismo de livre mercado. Mas deixemos as desigualdades "sociais", leia-se materiais, em paz. Elas são fundamentais para preservar a ordem espontânea que reduz a miséria.

Rodrigo Constantino

(Rodrigo Constantino é formado em Economia pela PUC-RJ, e tem MBA de Finanças pelo IBMEC. Trabalha no sector financeiro desde 1997. É autor de cinco livros: "Prisioneiros da Liberdade", "Estrela Cadente: As Contradições e Trapalhadas do PT", "Egoísmo Racional: O Individualismo de Ayn Rand" ,"Uma Luz na Escuridão" e "Economia do Indivíduo: O Legado da Escola Austríaca". É colunista da revista Voto, do caderno Eu&Investimentos do jornal Valor Económico, do jornal O Globo e do site OrdemLivre.org. É membro-fundador do Instituto Millenium e director do Instituto Liberal. Foi o vencedor do Prémio Libertas em 2009, no XXII Fórum da Liberdade).

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