"1. «A inveja é um mecanismo de defesa que pomos em atuação quando nos
sentimos diminuídos no confronto com alguém, com aquilo que tem, com o que
conseguiu fazer. É uma tentativa desajeitada de recuperar a confiança, a estima
de nós próprios, minimizando o outro, escreveu FRANCESCO ALBERONI, no seu “Os
Invejosos”.
2. Na inveja há um confronto, subsequente a uma necessidade interior de defesa
e resposta, com deformação ética. Um confronto interior com terrível dispêndio
de energias. É que, afinal, o terreno onde germina a inveja parece ser o mesmo
onde germina a competitividade; mas, depois, tudo se tolda: o invejoso perde-se
e perde dentro da sujidade da inveja, desviando a energia positiva da
competição para o pântano confuso e trapalhão da cólera, do ódio, da tristeza
ou da renúncia interiores, iluminado pela frustração e pela mesquinhez
disfarçada de distância. No entanto, esta artificial distância do invejoso em
relação ao invejado enfrenta uma contradição insanável: a necessidade de julgar
o outro. É que quando o invejoso julga, ele está a evitar a auto-humilhação da
inveja, pois nesse momento ela é um recuo estratégico para fugir à evidência
que o corrói; e o invejado é, à vista do invejoso, melhor do que ele. Mas, uma
vez mais, o invejoso falha: o seu próprio veneno, com que agride, sufoca e
intoxica o outro (o invejado, o ambiente), esse veneno também o miserabilisa
mais cedo ou mais tarde, porque o invejoso também vai respirar o ódio ou a
troça com que agride os outro. É que, mais cedo ou mais tarde, a condenação
social descobre o invejoso (aquele que involuntariamente se sente menos) e, por
isso, se vicia num ódio intermitente, num zombar ou numa distância artificiais
em relação às vítimas da sua inveja, com a consciência do mal que quer fazer ao
outro quando a “paixão” da inveja o atinge; é isto o que, afinal, define o
invejoso. A inveja é, assim, um mal que o invejoso sente que recebeu, mas que
ninguém lhe fez, em que a experiência interna do invejoso não se coordena bem
com o juízo moral da sociedade sobre as virtualidades das comparações, donde
brota a inveja competitiva, ou depressiva, ou obsessiva, ou maldosa, ou
avarenta ou iniciadora.
3. Na inveja, o invejoso revela a sua covardia interior. Ele foge às regras
sociais da sã competição. Não quer “jogar” social e lealmente. Como se sente
diminuído, convence-se de que naquela arena irá sofrer; então, cria uma arena
artificial, a sua, para onde procura transportar outros, de forma a se sentir
“social” e moralmente “normal”: aí odeia, zomba, “despreza”, finge que não vê
ou que não ouve, tenta fugir ao invejado, àquele que ele pensa ser a causa da
sua diminuição, que, afinal, é autoinfligida por uma mente primitiva.
4. Mas, a inveja também é parente da admiração pelo invejado? É na medida em
que o invejoso luta contra a vitalidade, a força do invejado. Este, de que o
invejoso não faz parte, representa um eu separado, distante, intangível para o
invejoso. Este descobriu que também ele tem de conquistar; e é neste momento
que algo no invejoso o impele à energia descendente da inveja e não à força
ascendente do respeito ou da admiração pelos outros. E isto é assim por quê?
Porque o invejoso não quer ser como o invejado. Ele quer os resultados e o
poder deste, seja a realização pessoal ou profissional, a autossatisfação, a
força ascendente, próxima da noção de energia vital de que tantos filósofos do
século XIX e XX falaram. Nada mais! Na inveja existe uma desarmonia entre a
vida e a vontade nobre de poder. O invejoso não quer ser como o invejado, ele
quer antes acabar com o seu sofrimento interior de diferença em relação ao
outro que ele vê como diferente e bem-sucedido; o outro, que o invejoso, no
fundo, sabe que vale mais; mas que não pode compreender, porque não o vê bem,
já que a cegueira do invejoso só lhe dá luz sobre si mesmo e não sobre a
humanidade do objeto da sua inveja. O invejoso desconhece o ser do invejado. E
é por isso que não suporta ouvir falar ou ver o ser invejado. Daí que: «A
inveja não procura, afirma. Não escuta, murmura. Não vai para o objeto,
diferencia-se dele, atira-o para longe como que ofuscada pelo esplendor que
entreviu e pelo qual foi perturbada. É esta a transfiguração invejosa». A
negação das coisas e dos atos do invejado pelo invejoso existe, como tal,
quando não há ameaça à fé, mas sim ao valor pessoal que o invejoso dá a si
próprio, de molde a que nada possa ou consiga aprender com o invejado. E este
pobre quadro floresce se a sociedade não estiver bem organizada coletivamente,
assente em valores ascendentes e fortes, porque nesse tipo de sociedade os seus
valores são frágeis, discutíveis, podendo todo e qualquer ser humano querer ter
o mesmo valor social do outro, abrindo assim caminho à triste paixão da inveja.
Esta é, assim, tanto mais forte quanto mais fracas forem a sociedade e as
raízes pessoais e intelectuais de cada um.
5. Um dos maiores segredos da vida é saber como reduzir a força da inveja. Tal
redução passa sempre pela distância e pela força vital do movimento
progressista do invejado. Este deve ter sempre presente a possibilidade de
“viajar com saúde vital” ao longo da vida.”
Francesco
Alberoni, in Os Invejosos
Publicado por António Aly Silva, em http://ditaduradoconsenso.blogspot.pt/