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“Aquilo que nasce torto, tarde ou nunca se endireita”



A duração da crise, a intensidade da confusão e a dificuldade em compreender o processo de decisão do  Presidente, ajudaram decisivamente a criar a ideia de que as eleições estavam ao virar da esquina.

No final (?) de quatro semanas loucas, qualquer pessoa tem razões de sobra para duvidar da solução. Mas com um pouco de frieza percebe-se que o novo modelo do Governo, os nomes que o integram e o grau de compromisso que os dois partidos foram obrigados a assumir, transforma o Governo remodelado numa solução para dois anos. Se lá chega ou não, é outra questão, mas que tem esse horizonte, isso parece-me óbvio. Este dado não muda rigorosamente nada nas questões de fundo: a dramática austeridade, a irrealidade das metas orçamentais, as profundas diferenças entre PSD e CDS e as irremediáveis desconfianças de Passos sobre Portas e vice-versa.

Um Governo que nasceu torto nunca se endireita mesmo. E um Governo que transformou a austeridade e os cortes num modo de estar não ganha eleições. Mas pode fazer todo o mandato. PSD e CDS perceberam isso, nem que seja pelo mais básico instinto de sobrevivência. A oposição devia perceber isso. Como dizia o António Vitorino, por razões bem diferentes, "habituem-se".


Ricardo Costa, in Jornal Expresso de 25 de Julho de 2013

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Cécile Kyenge, ministra italiana da Imigração, tem sido alvo dos actos mais abjectos. Há dias, Roberto Calderoli, vice-presidente do Senado, chamou-lhe orangotango. Na passada sexta-feira, atiraram-lhe bananas. Estes actos definem, naturalmente, apenas e só quem os pratica. A barbárie vem à superfície, desta vez, por Cécile Kyenge ser negra. A ministra da Integração poderia ter respondido, por exemplo, citando Simone de Beauvoir: não podemos deixar que os nossos carrascos nos criem maus hábitos. Poderia e teria razão para isso. Todavia, Cécile Kyenge preferiu outro caminho. A citação seria um mero recurso retórico. Cécile meteu o discurso na realidade: com tantas pessoas a morrer de fome por causa da crise é triste desperdiçar comida assim. O sentido democrático e a maturidade cívica também são isto. O desapego de si, da sua posição formal como ministra e a sensibilidade que permite pensar em terceiros mesmo sob fogo cerrado. Acossada, não se defendeu a si própria, mas remeteu para o sofrimento de outros, ridicularizando assim, ainda mais, o gesto obsceno dos que a pretendiam ofender. Na resposta, Cécile foi simplesmente Cécile. Trata-se, obviamente, de uma chapada de luva negra que estalou na face dos energúmenos. Mas é, também, um exemplo para quem, a uns milhares de quilómetros de distância, ainda há umas poucas semanas, com altivez, desvio corporativo e insuflado sentido da própria honra, citou Beauvoir para chamar carrascos, de forma absolutamente desproporcionada, aos cidadãos que se manifestaram nas galerias da casa que se diz ser a da nossa democracia.

Rui Rocha, in http://delitodeopiniao.blogs.sapo.pt/ em 27.07.13

É isto o mundo adulto?


A tentativa de se fazer um cozinhado tripartido de "salvação nacional" chegou ao fim. Caldo entornado, trabalho dobrado. E agora senhor Presidente? Manter o leme virado para a mesma direção ou dar um novo rumo?

"Sem acordo”, disse Cavaco Silva a 10 de Julho, “encontrar-se-ão outras soluções no quadro do nosso sistema jurídico-constitucional” — “existirão sempre soluções para a atual crise política”.

Ainda bem senhor Presidente!...


A radionovela continua…


Dia 21-07-2013: O Presidente falou aos portugueses. Infelizmente vamos manter o leme virado na mesma direção. Pena.

Contrapoder 19-07-2013

Fonte: http://sicnoticias.sapo.pt/programas/contrapoder/2013/07/19/contrapoder-19-07-2013

Segue-se uma boa visão sobre os acontecimentos políticos, que deram origem ao quadrado da crise.

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Comentadores esforçaram-se, sem sucesso, por estabelecer um nexo entre os acontecimentos da crise dos últimos dias. As metáforas da infância invadiram o espaço mediático com os actores, menorizados, a serem tratados de miúdos, fedelhos, garotos.


A sucessão de acontecimentos dos últimos dias e a eclosão de uma crise dentro da crise deixaram a sociedade portuguesa estupefacta e incrédula. Comentadores e analistas esforçaram-se, sem sucesso, por estabelecer um nexo entre acontecimentos, identificar uma racionalidade por detrás das decisões, um fim último que permitisse compreender as tácticas. Parecia impossível uma leitura que obedecesse à lógica e desse sentido ao drama que se desenrolava na esfera política. Perante esta impossibilidade, as metáforas da infância invadiram o espaço mediático com os actores, menorizados, a serem tratados de miúdos, fedelhos, garotos e os seus comportamentos considerados amuos, birras e criancices.

Este discurso, que depressa se generalizou, é revelador da capitulação perante a irracionalidade e a irresponsabilidade do exercício do poder por aqueles que o receberam, por delegação, através do voto.

É certo que os valores do mundo adulto que servem de referência à menorização dos adultos através da metáfora da infância parece estar em vias de extinção, mesmo noutras paragens. Será que o comportamento de instâncias internacionais, como o FMI, que reconhecem erros nos programas de ajustamento, mas continuam diligentemente a aplicar a mesma receita, indiferentes aos seus efeitos sobre os países, é exemplo de responsabilidade e racionalidade? Será que o Conselho Europeu que assiste passivamente ao desmoronamento de países que supostamente deviam ocupar um lugar entre iguais, para não perder a face perante os poderes que o dominam, dá um exemplo de decisões racionais e responsáveis?

E quando todas estas instâncias, nacionais e internacionais, atiram culpas para cima umas das outras dos maus resultados das suas decisões, isso é um comportamento responsável? E o que dizer do sucessivo adiamento da reforma da união bancária, que surge como a melhor forma de proteger os cidadãos e os Estados dos erros do sector, para agradar a um só país, sem dúvida preocupado em evitar que se tornem conhecidos os erros dos seus próprios bancos e a sua responsabilidade numa crise que foi sempre apresentada como culpa dos outros?

Em Portugal, a recente crise foi desencadeada pela demissão de um ministro, de reconhecido mérito entre os seus pares e abençoado pelos credores que afirmou alto e bom som que era incapaz de prosseguir a agenda de que tinha sido incumbido. Ao cabo de dois anos de aplicação de um programa, que mais parecia destinado a castigar o país e expurgar a sociedade dos seus vícios, veio reconhecer que errara nos cálculos, como já muita gente tinha dito antes, falhara os objectivos e não tinha condições para terminar esse mandato.

Não questionou os pressupostos, nem a racionalidade moralista que o inspirou, antes apontou a fraqueza da liderança política e a sua incapacidade de travar o impacto, no interior do governo, da devastação social e económica do país. No meio da agitação e da intriga que se sucedeu a esta demissão passou despercebido o juízo sobre o comportamento de um agente político que, não tendo perdido a fé, nem a sua opinião sobre o país que nunca o elegeu, como fazia questão de sublinhar, voltou calmamente ao seu emprego anterior.

Perante isto, parecia chegado o momento de parar para pensar, num contexto europeu em que surgem mais dúvidas do que certezas e em que já não é possível prosseguir a sangria de recursos materiais e humanos de países exauridos. O momento de ouvir as propostas alternativas que têm surgido no debate público e de aprender com as experiências de outros, assumindo uma posição que devolva alguma dignidade ao país e à sua liderança política, subjugada por forças externas a quem se agarrou para chegar ao poder. Não foi esse o entendimento do Presidente da República. Resta saber se a sua decisão permitirá recolocar a responsabilidade e a racionalidade no centro da decisão política. Porque com o modelo de referência do mundo adulto que nos trouxe até aqui, então as crianças não merecem os adultos que têm.

Por Lígia Amâncio, in Jornal Público de 15/07/2013

Lígia Amâncio é psicóloga social e professora catedrática do ISCTE

O Quadrado da Crise


Os episódios rocambolescos da radionovela da crise governamental continuam. As “crises” sucedem-se sem parar. Enquanto os ganhadores das eleições sedem e descem dentro do governo, aqueles que eram uma minoria sobem. Afinal sempre valeu a pena juntarem os poucos trapinhos a quem tinha um guarda-fato substancial. Para isto serão necessárias eleições?

“Paulo Portas criou a crise e depois apontou uma solução de superação na base do acordo feito com o PSD, acordo esse que apresentou ao Presidente da República. Só que o Presidente não aceitou os termos desse acordo e a crise continua."

"A minha incomodidade, a nossa incomodidade, é partilhada pelo comum dos portugueses que estão confrontados com uma situação financeira muito grave (...) e que de repente, de uma forma injustificada, são colocados perante uma gravíssima crise política e o fator dessa crise política é o demissionário ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros". (Miguel Alvim, in Notícias Ao Minuto de 14 de Julho de 2013)  

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Este é o folhetim que mais apreciei durante a última semana:

 
O Aplauso

Tudo na cerimónia dos Jerónimos soava a falsa inocência e a um falso desejo de redenção. Como se todos tivessem ido pedir a Deus que fizesse desaparecer a última semana.

Quando descem à terra, os governantes já estão habituados a ouvir vaias e apupos.

Mas domingo, na casa de Deus, o aplauso substituiu a vaia. Para conforto do Presidente da República, Cavaco Silva, e do primeiro-ministro, Passos Coelho. Mas não do apontado vice-primeiro-ministro, Paulo Portas. Para ele, apenas silêncio.

Sendo que silêncio foi tudo o que os elementos da trindade que nos governa tiveram para dar aos tristes que governam à saída da Entrada Solene do novo Patriarca de Lisboa, domingo, no Mosteiro dos Jerónimos.

Nem uma palavrinha de consolo para a caixa das esmolas dos repórteres. Mesmo depois do reconfortante e vigoroso aplauso ouvido sob a abóbada do mosteiro onde os pares da república marcaram presença para ouvir D. Manuel Clemente.

Parecia que Deus tinha decidido dar refúgio aos desembestados governantes que tinham passado a semana anterior em sonoras e pueris dissensões, bem como ao Presidente que depois de atraiçoado pelos ditos governantes os forçou a manterem-se juntos.

E o agora D. Manuel III dedicou à crise esta sentença: “A concórdia começa nos corações, quando ninguém desiste de ninguém, seja em que campo for.”

Mas, como dizia o poeta inglês John Milton, “É melhor reinar no Inferno do que servir no Céu”.

E os passos e os gestos dos homens do poder nas naves da igreja de Santa Maria de Belém denunciavam que o inferno da semana que passou estava mais presente nos corações de Cavaco Silva, Passos Coelho e Paulo Portas do que a concórdia que estava nas palavras de D. Manuel III.

Deus não aplacou o inferno da crise política nem os homens que a provocaram se livraram da culpa por comparecerem, servis e submissos, na primeira missa solene do novo patriarca.

Não, não foi a Igreja nem D. Manuel Clemente quem se serviu dos políticos, domingo, nos Jerónimos. Foram os políticos que, pelo exagero e pela forma ostensiva com que se apresentaram quiseram fazer constar que Deus estava com eles – e por isso as chagas da crise iam passar.

Parafraseando São Paulo e a epístola aos romanos, terão perguntado: Se Deus está connosco, quem estará contra nós?

Temível, a linguagem dos gestos falou mais alto do que os silêncios. As câmaras de televisão e dos fotojornalistas revelaram como o inferno está no coração da coligação, que se afirma a si própria como sólida, confiável e pronta a durar.

Veja-se a imagem de Passos Coelho dentro da igreja, depois da ovação. Cumprimenta efusivamente alguns convidados (entre os quais Maria Barroso) sem olhar para o homem que designou vice-primeiro-ministro. É Paulo Portas quem faz um ligeiro gesto e só então recebe um cumprimento seco do primeiro-ministro.

No sábado, no momento do anúncio do novo acordo de governo, o cenário fora o mesmo. Nem um aperto de mão selou a renovada concórdia. Nem um olhar. Apenas um toque de Portas em Passos, ao qual este mal reage. Durante a leitura do documento conjunto, mal se olham.

Regresso aos Jerónimos e à fotografia de Nuno Ferreira Santos, capa do PÚBLICO: aí sobressai o sorriso de Portas para Passos, com o sorriso de quem tem um brinquedo novo (o brinquedo é a política económica, as relações com a troika e a reforma do Estado) enquanto Cavaco, o Presidente, está em primeiro plano, mas desfocado, a aplaudir.

Ao lado de passos, Assunção Esteves, presidente da Assembleia da República, contempla a cena. Durante a cerimónia será filmada a trocar impressões com o primeiro-ministro, que lhe responde com uma expressão de alívio.

Voltando a Paulo (a São Paulo) e à Epístola aos Romanos: Se Deus está por nós, quem estará contra nós?

Não sendo certo de que lado está Deus, parece certo que quem está contra o governo é o próprio governo.

E o aplauso? Porquê o aplauso que, como num circo romano, designou como vencedores do dia o Presidente e o primeiro-ministro e o omitiu o suposto vice-primeiro-ministro, que os analistas e comentadores dão como vencedor desta contenda?

Afinal de contas, quem estava por eles? Por que aplaudiram?

Talvez por estarem dominados pelo medo. Pelo medo do colapso. E por terem visto neles os homens que “salvaram” a coligação e com isso evitaram uma catástrofe. Terão demonizado, por omissão, o Paulo Portas que, solícito, beijava a mão do novo patriarca.

Foi como um aplauso de fim de regime. De regime a quem já só resta o medo do fim e a ilusão de o evitar. Talvez seja um medo exagerado. Ou talvez o medo exagerado precipite o salto para o vazio.

Tudo na cerimónia dos Jerónimos soava a falsa inocência e a um falso desejo de redenção. Como se todos tivessem ido pedir a Deus que fizesse desaparecer a última semana. O beijo de Maria a Cavaco, que o Presidente recebe com surpresa, os apertos de mão forçados, os sorrisos, os olhares que se desviam, os guiões da cerimónia transformados em abanicos…

Um teatro do absurdo com uma missa em pano de fundo e as paredes grossas de um mosteiro que não deixaram entrar o calor mas conservaram a realidade do lado de fora.

Ali um regime e um governo tiveram a ilusão de existir. E, como noutros tempos, foram pedir a Deus a legitimação que perderam.

Um aplauso fez-se ouvir. Mas não era Deus. Era o medo.

A Reconciliação de Pedro e Paulo


"É minha firme convicção que a minha saída contribuirá para reforçar a sua liderança e a coesão da equipa governativa."

Vítor Gaspar
 

Imagem retirada do Diário de Noticias de 2013-07-04 
 


São tantos os episódios rocambolescos do recente divórcio da coligação governamental, que é difícil escolher o mais caricato ou absurdo.
Depois de alguns dias passados entre as desavenças de Pedro e Paulo, Cavaco diz Stop e obriga a uma forçada reconciliação, e o tão esperado divórcio vai por água-a-baixo. Para quando uma solução cabal para os problemas de Portugal?  
 
De todos os artigos de jornal lidos durante estes dias conturbados, escolhi o Editorial do Público de 4 de Julho, por ser talvez o mais assertivo de todos, e aquele que melhor descreve os últimos passos e descompassos de Paulo e Pedro, na tentativa de refazer um novo acordo de casamento, agora sem dúvida nenhuma, a contragosto. Será que o novo arranjo, agora mais do que nunca de conveniência vai durar?
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Editorial
O Governo ainda mexe. Mas não passa de um cadáver adiado. Pedro Passos Coelho pode ter obrigado Paulo Portas a fazer marcha atrás e ter ganho um braço-de-ferro político insólito e sem precedente na nossa história democrática. Mas qual é a consistência política do Governo que lidera? Paulo Portas declarou que a sua demissão era "irrevogável". Passos Coelho nem sequer se dignou aceitá-la (um gesto muito pouco democrático) e culpou publicamente o parceiro de coligação pela crise. Em consequência, Paulo Portas recuou, manteve os seus ministros no Governo e vai "renegociar" o acordo de coligação. Mas irá fazê-lo em posição de enorme fragilidade. Acima de tudo, Paulo Portas perdeu a face.
 
O abismo que ontem de manhã se abriu nos mercados e nas bolsas foi apenas um aviso sobre os custos que poderiam resultar da enorme irresponsabilidade dos líderes do PSD e do CDS. Os quais vão agora tentar manter uma coligação onde estão a contragosto, em nome dessa entidade sacrossanta que é a estabilidade política. O recuo de Portas surge, é melhor não ter ilusões, depois de a Europa e Berlim terem explicado que esse tipo de brincadeiras não é autorizado. A ida de Passos Coelho, ontem, a Berlim, quando tinha a coligação a desmoronar-se em Lisboa, também quis dizer isso. Ele foi mostrar ao exterior que tudo estava sob controlo (apesar de tudo, fez bem em querer manter as aparências, embora fosse uma mentira colossal) e trouxe do exterior o voto de confiança para que nada mexesse. Portas, que no congresso de Viseu, em 2011, antes de ser governo, tanto clamava contra o "protectorado" europeu, acabou por ser vítima do "protectorado".
 
Mas a estabilidade tem as costas largas. E o mais importante não é saber se é possível o Governo manter-se a qualquer preço, mas se faz sentido o Governo manter-se. Ora se a estabilidade é o único argumento invocável para manter este triste casamento de conveniência, isso significa que o cimento político que o mantinha deixou de existir. Por isso, o Governo está virtualmente morto. Os seus líderes suicidaram-se. E não é só em nome da tal estabilidade que tocaram a reunir-se e esqueceram as "pequenas divergências" (nas palavras de Passos Coelho) que desencadearam um espectáculo público degradante. É também para evitar um terramoto eleitoral.
 
Entre a birra de Portas e o raspanete de Passos, este Governo degradou a imagem das instituições democráticas como nenhum outro. E a pergunta é: este Governo deve continuar? É verdade que, se houver acordo, o Presidente deixa de ter margem para dissolver o Parlamento. Mas se a pergunta é colocada em nome da estabilidade política, a resposta só pode ser um claríssimo não. Pela simples razão que o Governo perdeu a autoridade e a legitimidade. E a estabilidade requer um governo legitimado e com autoridade. A vergonha tem limites. E o Governo de Portugal tornou-se uma vergonha ambulante. Se continuar, não será mais do que uma fonte de instabilidade.

Público 2013-07-04

Ver e ouvir mais em:  


Crise no Governo: Portugueses descrentes com os políticos: http://www.tvi.iol.pt/video/13910043

A opinião de José Pacheco Pereira (vale a pena ouvir): Vídeo Estaremos a assistir a um reality show - Público

Os riscos da Globalização

 
 

As grandes instituições que norteiam as relações entre os homens fundaram-se há centenas ou mesmo milhares de anos. A existência do mercado é uma dessas grandes instituições. Nele se cruzam os interesses de quem procura e quem vende ou troca, satisfazendo os interesses de ambos, se funcionar bem. O mercado é também o ponto de encontro de troca de informações entre o consumidor e o produtor. A este cabe detectar as necessidades do mercado e satisfazer essas necessidades, recebendo em troca a correspondente mais-valia. Simples.

 
O maior erro do marxismo foi decretar o fim do mercado como forma de eliminar a exploração do homem pelo homem, aliás, ignorando outro grande princípio das relações humanas: os homens não são iguais e, como tal, a cooperação nunca se traduzirá em ganhos iguais. A igualdade utópica não acontece no capitalismo como não aconteceu durante os regimes comunistas nem em nenhum outro, no passado. O mito da igualdade entre os homens não passou disso mesmo: um mito.
 

Da mesma forma, não há memória de um mercado sem autoridade. Bem ou mal, justa ou injustamente, os mercados sempre foram regulados por alguém, seja o senhor feudal, o alcaide ou o rei. Também o acesso aos mercados foi sempre limitado. Os interesses locais, regionais ou nacionais sempre se impuseram aos interesses exteriores. A não ser que, por força de acordos ou pela força da espada, os interesses das comunidades fossem subjugados diante de interesses maiores.


A Globalização não pode esquecer os erros do marxismo nem os outros erros que a história registou. As teorias de engenharia social que não respeitem os grandes princípios que fundaram a Humanidade estão irremediavelmente votados ao fracasso. Sejam o marxismo, o neoliberalismo económico ou uma certa visão de Globalização não regulada. Os arautos do marxismo viram o seu sonho ruir em 1989, quando Muro de Berlim lhes caiu estrondosamente em cima, depois de décadas a negar o óbvio: não há sociedade funcional sem mercado e sem livre iniciativa.

Também os fundamentalistas do mercado viram as suas teses reprovadas pela realidade, perante a crise de 1929 nos Estados Unidos ou as experiências ultra-liberais das últimas décadas na América Latina, que culminaram, nomeadamente, com o estrondoso colapso da Argentina, que só muito a custo tem recuperado da falência económica a que o País foi conduzido pelos seguidores de Milton Friedman. Curiosamente, a consolidação das democracias no sul e no centro do continente americano, defendidas – pelo menos aparentemente – pelas administrações norte-americanas trouxe a rejeição quase generalizada das teses neo-liberais que tentaram exportar.

A sobrevivência do capitalismo durante todo o século XX deveu-se à sua capacidade de adaptação aos tempos modernos. Com efeito, o capitalismo do início do século XIX parece uma caricatura face ao capitalismo do final desse mesmo século. A introdução de leis anti-monopolistas e de defesa do consumidor, a par da institucionalização do sindicalismo e do crescente respeito pelos direitos dos trabalhadores, processo liderado pelos países do norte da Europa, vieram dar um rosto humano ao capitalismo e torná-lo atraente aos olhos do mundo.

Pelo contrário, a ausência de democracia matou todas as hipóteses de reforma dos países comunistas. O colapso da União Soviética e dos países satélites foi o epílogo natural da ausência de mercado, da livre iniciativa e dos direitos políticos. Contudo, quem leu o fenómeno como a mera vitória do capitalismo sobre o comunismo errou redondamente na análise. Na verdade, não há apenas um capitalismo, mas muitas versões, bem diferentes umas das outras. O capitalismo norte-americano não é seguramente igual ao europeu e nenhum destes é igual ao capitalismo do outrora Império do Meio.

O advento do século XXI e da Globalização trouxe, na minha opinião, algum retrocesso civilizacional por via da chegada ao mercado mundial de um concorrente do terceiro-mundo de dimensão planetária, com uma população que corresponde a 1/5 da população mundial, o dobro da europeia e quatro vezes a dos Estados Unidos da América. A regulação do mercado construída durante mais de um século tem vindo a regredir para se poder ajustar a um concorrente que veio introduzir uma economia de mercado sem democracia. E se há lição que a história nos ensinou é que o pior inimigo da regulação do mercado é a ausência de democracia.

O aparente êxito económico chinês, baseado na ausência de direitos sociais e políticos e na desregulação do mercado, tem vindo a ser apresentado ao mundo como o paradigma do capitalismo do século XXI. E como queremos seguir o “êxito” chinês, com crescimento económico de dois dígitos, como os economistas fazem questão de nos recordar até à exaustão, assistimos à adopção de políticas que visam desmantelar progressivamente o estado social e reintroduzir legislações laborais tidas como obsoletas há dezenas de anos. A chamada flexisegurança, que implica que os trabalhadores tenham de trabalhar mais de 60 horas semanais nalgumas épocas do ano, é um dos exotismos da Globalização que o tempo se encarregará de demonstrar ser um erro. Embora não seja uma linha recta, a história não volta para trás.

A ideia é tanto mais abstrusa quando os mesmos governos que defendem a flexisegurança são os mesmos que se dizem preocupados com a baixa natalidade. Ora, não há família que resista a horários de trabalho semanais de 60 ou mais horas. No limite, a partir de agora, ou as pessoas têm emprego ou têm filhos. E como não podem prescindir do emprego, terão de prescindir dos filhos, que passarão a ser um luxo dos ricos ou um vício dos indigentes sem emprego. As consequências a prazo destas políticas de discutível alcance conjuntural serão um País de velhos, com reformas cada vez mais miseráveis. Basta utilizar as fórmulas da Segurança Social do inenarrável ministro Vieira da Silva para perceber, já hoje, que estamos (quase) todos a caminho de uma deprimente indigência na velhice.

Voltemos à Globalização e aos mercados. Como referi anteriormente, o acesso aos mercados sempre foi condicionado por ser vital para a sobrevivência das comunidades. Na minha opinião, continua a sê-lo. A economia de proximidade continua a ser vital em caso de guerra, epidemia, crise energética ou logística. A ideia de que nada disto irá ocorrer no futuro é um erro que terá inevitavelmente consequências catastróficas no futuro. A questão não é se estas crises irão acontecer, mas quando irão acontecer.

Recordo que há poucos meses, Portugal esteve à beira da paralisação total e da rotura alimentar, após alguns dias de paralisação dos transportes rodoviários. Pergunto: o que aconteceria se a paralisação durasse mais uma semana? Sem combustíveis para se deslocarem e sem alimentos nos supermercados para se abastecerem, as pessoas teriam vivido uma situação de pânico generalizado. Escapámos por pouco, mas como tudo se resolveu a tempo, mesmo por um triz, não aprendemos a lição e nada faremos para precaver este tipo de situações.

Um mercado globalizado pode implicar que um País abdique por completo de determinadas produções, mesmo agrícolas. Em Portugal, por exemplo, os governos têm defendido a ideia de que a produção de cereais é inviável, uma vez que outros países têm níveis de produção por hectare que são o dobro ou o triplo. Contudo, pergunto: o que comeremos nós em caso de crise internacional, se ficamos completamente dependentes do exterior? No meu ponto de vista, nenhum País deve prescindir de uma produção agrícola mínima de segurança, que permita às populações sobreviver durante alguns meses, em caso de crise, ainda que a produtividade dos solos ou as técnicas de cultivo não permitam produtividades que tornem as culturas competitivas num mundo globalizado.

Do mesmo modo, considero extremamente perigoso a inexistência de limitações aos fluxos financeiros internacionais. O caminho não é fácil, sem a criação de um regulador global para regular o mercado global. Os riscos deste modelo de Globalização estão à vista, não só com a crise do subprime nos Estados unidos da América, mas também com a actual instabilidade dos mercados petrolíferos. A elevada transferência de fundos financeiros de uma zona para outra do mundo, de uma área accionista para outra ou de uma matéria-prima para outra, sobretudo, se for efectuada num curto espaço de tempo, pode arruinar empresas, países ou uma zona do globo, de um dia para o outro.

Os especialistas têm avisado que a economia norte-americana está fortemente dependente dos fluxos financeiros chineses, que têm financiado, até agora, o seu monumental défice externo. O que acontecerá se ocorrer uma crise internacional, ninguém se atreve a prever e poucos ousam mesmo admitir este cenário. Ora, o bem-estar e os empregos de biliões de pessoas não podem estar dependentes dos humores ou da ganância dos especuladores internacionais.

Por outro lado, a exemplo das leis anti-monopolistas criadas no século XX para regular os mercados, considero que também a expansão sem limite dos grandes grupos económicos é contrária ao interesse dos mercados e dos consumidores. A existência de um número restrito de empresas dominantes numa determinada área de mercado, muitas vezes utilizando regras e tarifários idênticos, tem de ser combatida energicamente. No fundo, esta pseudo-concorrência que traz lucros milionários para gestores e grandes accionistas não passa de versões modernas e subtis de monopolismo, que penalizam fortemente os consumidores. Que interessa a estes haver 4 ou 5 empresas num determinado sector de mercado, se utilizam as mesmas regras e preços idênticos? Neste caso, a opção de escolha do consumidor é uma falsa escolha.

Os avisos estão aí, só não vê quem não quer ver. Os mercados, sejam financeiros ou de mercadorias, têm de ser pensados e regulados na óptica da defesa do consumidor e não no interesse das multinacionais e dos especuladores internacionais. A Globalização está no seu início e só tem dois caminhos: ou se reforma rapidamente para responder ao interesse dos cidadãos ou prossegue deslumbrada com a economia de casino e o paradigma chinês e irá colapsar estrondosamente. A economia mundial só poderá globalizar-se de forma duradoura se criar portas de segurança e mecanismos tampão contra a especulação e as abusivas posições dominantes de mercado. Estivemos (estamos?) a um passo de uma crise mundial de consequências imprevisíveis. Pode não haver uma segunda oportunidade.

Mário Lopes, in Jornal Tinta Fresca (Foi mantida a ortografia original)

Mário Lopes é Proprietário/Editor e Diretor do Jornal Tinta Fresca, do concelho de Alcobaça

O segredo do Homo sapiens e a governação global



A teoria da evolução de Darwin aplica-se a todos os organismos vivos, logo ao Homo sapiens. Ao longo da história da vida na Terra, a evolução das espécies deu-se por meio de um processo de adaptação ao meio ambiente movido pela selecção das mutações genéticas com mais vantagens de sobrevivência e reprodução. Consequentemente, os principais traços distintivos de cada espécie têm uma “explicação” no processo de selecção natural, que pode ser decifrada com maior ou menor dificuldade.

No caso do Homo sapiens, há várias características notáveis cuja emergência podemos tentar explicar. Entre as principais destaca-se o bipedismo, a linguagem, a nudez (ou ausência de pelo, única entre os primatas), o grande volume da massa encefálica, que permite a consciência, formas superiores de inteligência e abstracção, o desenvolvimento cultural e a "eussociabilidade", ou seja, uma forma avançada de sociabilidade que incluiu a sobreposição de gerações, a cooperação, o altruísmo e a divisão de tarefas no mesmo grupo.

Todas estão relacionadas entre si e têm explicações fascinantes. Porém, a mais notável, e a que provavelmente contém o segredo da nossa natureza e do nosso sucesso como espécie biológica, é a fortíssima encefalização que ocorreu na evolução desde o Australopitecus afarensis, de há mais de três milhões de anos, até ao Homo sapiens. Num período de tempo de cerca de três milhões de anos o volume do cérebro mais do que triplicou, enquanto o peso aumentou apenas de um terço.

Pertencer, ser fiel e proteger o grupo, lutar pela ascensão no seu seio e combater os grupos adversários é um traço essencial da nossa natureza.

Quais as “razões” de selecção natural que motivaram esta extraordinária evolução? Foram razões muito fortes, porque o crescimento da massa encefálica exigiu uma alimentação mais rica para assegurar o grande consumo de energia de um cérebro de maiores dimensões. Com apenas 2% do peso do corpo, o cérebro consome cerca de 20% da energia necessária à vida humana.

Pertencer, ser fiel e proteger o grupo, lutar pela ascensão no seu seio e combater os grupos adversários é um traço essencial da nossa natureza.

Quais foram então as pressões de selecção natural que promoveram o crescimento do volume do cérebro na linhagem evolutiva do Homo sapiens? Provavelmente foram as vantagens para a sobrevivência e reprodução de uma vida social progressivamente mais interactiva e complexa, baseada na construção de alianças e responsabilidades colectivas no grupo para actividades como a caça, a partilha de comida, a protecção e as lutas com os grupos rivais pela conquista de território e de recursos escassos.

Todos os primatas são animais sociáveis, mas os hominídeos desenvolveram de forma extraordinária a sociabilidade nos grupos em que viviam, tipicamente com 20 a 100 elementos. O extraordinário desenvolvimento do cérebro criou vantagens reprodutivas ao permitir encontrar soluções para os crescentes desafios sociais intragrupos e intergrupos.

A forte identificação com o grupo era acompanhada por uma profunda desconfiança e antagonismo em relação àqueles que pertenciam a outros grupos. Um exemplo extremo desta agressividade encontra-se ainda em algumas tribos primitivas da etnia asmat da Papuásia-Nova Guiné, onde membros das outras tribos são identificados como “aqueles que se comem”.

Pertencer, ser fiel e proteger o grupo, lutar pela ascensão no seu seio e combater os grupos adversários é um traço essencial da nossa natureza, que provavelmente esteve na origem da emergência do Homo sapiens e permanece na actualidade. A rede de grupos religiosos, políticos, sociais e económicos das sociedades modernas desempenham o mesmo papel psicológico do tribalismo. Nesta rede, a estrutura dominante são os Estados-nações soberanos cujos Governos têm jurisdição a nível local e nacional, mas que competem entre si activamente e por vezes violentamente a nível global. Neste paradigma, o valor supremo são os interesses nacionais dos Estados-nações.

Criámos uma problemática global e caminhamos para uma sociedade global através da globalização, mas será que pertencemos efectivamente a uma tribo global?

Entretanto, as culturas e as civilizações desenvolveram-se e há um problema novo. Surgiram problemáticas de natureza global, tais como as alterações globais sistémicas (mudança climática antropogénica, redução do ozono estratosférico) e cumulativas (crescente escassez de água e de outros recursos naturais, poluição da água, dos oceanos e dos solos, desertificação e perda de biodiversidade). As sociedades humanas, através das suas múltiplas e complexas actividades, interferem actualmente com o sistema Terra de formas tão profundas, continuadas e extensas, que ameaçam os seus vários subsistemas e os processos bióticos e abióticos de que depende a sustentabilidade daquelas sociedades.

Criámos uma problemática global e caminhamos para uma sociedade global através da globalização, mas será que pertencemos efectivamente a uma tribo global? Por outras palavras, em que medida praticamos nessa tribo a protecção e defesa que caracteriza o nosso comportamento nos Estados-nações e nos outros grupos a que pertencemos? Todas as tribos têm tribos adversárias, mas a global não tem. Será que sabemos proteger e defender um grupo humano que não tem adversários?

Não há, teoricamente, adversários, porque todos nós pertencemos a esse mesmo grupo, o que, do ponto de vista da história evolutiva do Homo sapiens, é uma situação nova e inesperada. Porém, a qualidade do nosso futuro comum depende de nos adaptarmos à nova realidade. Não temos a ameaça de ataque de uma civilização extraterrestre, a ameaça vem do nosso próprio comportamento individual e colectivo.

O sistema das Nações Unidas é um fórum para as questões internacionais da paz, da segurança, dos direitos humanos, do desenvolvimento social e económico e do ambiente, mas, exceptuando o Conselho de Segurança, as decisões têm de ser consensuais, o que permite preservar os interesses nacionais dos Estados-membros.

Não é possível atingir a sustentabilidade do desenvolvimento à escala global sem sobrepor os interesses da humanidade aos interesses nacionais, quando necessário. Para construir a sustentabilidade é indispensável instituir novas formas de governação global que criem um sistema financeiro e económico capaz de promover a equidade, a gestão sustentável dos recursos naturais e de travar a degradação ambiental e a perda de biodiversidade.

É urgente substituir a directriz de Patrick Geddes “pensar globalmente e actuar localmente” por “pensar e actuar localmente e globalmente”.
Filipe Duarte Santos, in PÚBLICO, de 27/02/2013 (Foi mantida a ortografia original)





Filipe Duarte Santos é Professor Catedrático da Faculdade de Ciências de Lisboa, Unidade de Investigação: SIM
   




Mas hoje não devo ficar só por aqui. Também vos trago outra opinião, a de Beatriz Talegón, uma jovem com preocupações realmente GLOBAIS.


Beatriz Talegón, líder da Juventude Internacional Socialista, envergonhou os líderes socialistas mundiais com um discurso que incendiou as redes sociais. Na sua intervenção, proferiu uma dura crítica à Internacional Socialista que acusa de não trabalhar para os jovens e de andar reunida em hotéis de cinco estrelas a tentar encontrar soluções para a crise.
"Como se pode liderar uma revolução a partir de um hotel de cinco estrelas em Cascais, chegando em carros de luxo? Podemos dizer aos jovens que os compreendemos, que sentimos a sua dor aqui dentro, no meio deste luxo?". Estas perguntas de Beatriz Talegón colocaram o mundo socialista e as redes sociais em polvorosa. O vídeo da sua intervenção durante a reunião da Internacional Socialista (IS) em Cascais, na semana passada, tornou-se viral em Espanha, está a ser muito partilhado em Portugal e chegou à América Latina através das redes sociais, tendo já sido visto por mais de cem mil pessoas na Internet.
Esta é também uma excelente opinião a não perder...



O Povo é quem mais Ordena



Às zero horas e vinte minutos do dia 25 de abril de 1974, esta canção era transmitida na Rádio Renascença, a emissora católica portuguesa, como sinal para confirmar as operações da revolução. Por esse motivo, a ela ficou associada, bem como ao início da Democracia em Portugal.

Hoje o país está na rua!...

Grândola, Vila Morena é outra vez chamada a falar pelos portugueses…


Liberdade, onde estás? Quem te demora?




“Não é bom viver no Portugal onde reina o engano e a mentira institucionalizada.”

«Este artigo é um panfleto. Não acrescenta nada de novo àquilo que digo há mais de dois anos, pelo que não tem interesse mediático. Não é distanciado, nem racional, nem equilibrado, nem paciente, nem tem um átomo da imensa gravitas de Estado que enche a nossa vida pública no PS e no PSD, cheia daquilo a que já chamei redondismo e pensamento balofo. Como vêem já disse isto tudo e estou-me a repetir. Não é sequer um artigo feliz, que se faça com gosto e prazer. Prescindia bem de o fazer para falar de outras coisas, refrigérios da alma, como se dizia no passado, seja livros, seja o Inverno, seja algum momento especial, uma descoberta de amador curioso, uma coisa que se aprendeu, uma calmaria hegeliana do espírito, ou uma negatividade divertida e sagaz.

Bem pelo contrário. Não ilumina, não é feito pela curiosidade, é feito em nome da voz que não tem voz e por isso tem muitos adjectivos e podia ser todo escrito em calão, aqueles plebeísmos, grosserias e obscenidades que tem nos dias de hoje a enorme vantagem de não conter hipocrisia, porque são palavras inventadas contra a hipocrisia. Ao menos, vamos hoje usar o esplendor das belas palavras do português contra o abastardamento da língua como maneira de falarmos uns com os outros, de nos entendermos na simplicidade do povo comum, ou na riqueza criativa de uma velha fala, capaz de tudo se a deixarmos à solta, mas magoada e ferida pelo seu uso para esconder vilezas e malfeitorias, e acima de tudo para esconder arrogâncias ignorantes, que é a moeda falsa que para aí circula.

Pode ser porque eu dou valor às palavras — uma sinistra manifestação da condição suspeita de intelectual — que me repugna, enoja, irrita, indigna, encanita, faz-me passar do sério, a sua sistemática violação pelo governo. Violação, exactamente como as outras violações. Devia haver uma lei não escrita para punir a violência feita com as palavras e pelas palavras, como há com a violência doméstica, a violência contra os mais fracos, o abuso do poder. Devia haver uma lei não escrita para punir o envenenamento das palavras pela desfaçatez lampeira, a esperteza saloia.

De novo, pela pecha de ser intelectual, — um estado miserável nos dias de hoje, “treinador de bancada”, “comentador”, “opinador”, “achista”, “inútil”, “velho do restelo”, “negativista”, ou qualquer outra variante das palavras com que hoje o poder e os seus serviçais entendem diabolizar o debate público que não lhes convém — é que me repugna, enoja, irrita, indigna, encanita, faz-me passar do sério, a sistemática tentativa de nos enganar, de nos tomar por parvos, de nos despachar com um qualquer truque verbal destinado a dizer que uma coisa é diferente do que o que é, porque convém que não se perceba o que é.

Os exemplos abundam. Por exemplo, chamar aos cortes “poupanças”, como se não fosse insultuoso para quem quer que seja ver a sua vida ficar miserável por uma ”poupança” virtuosa, cuja natural bondade não pode ser atacada. Quem ousa ser contra poupanças? Pode-se ser contra os despedimentos, contra a redução das despesas sociais, contra os cortes, mas não se pode ser contra as “poupanças”. Mesmo quando elas mais não sejam do que cortes, despedimentos, reduções de prestações, reformas miseráveis ainda mais miseráveis, ou, como diz Bagão Félix, “diminuição do rendimento das famílias”. Os espertos assessores de comunicação, que se esforçam todos os dias para dar ao Governo a “política” que o professor Marcelo diz que ele não tem e evitar assim “erros de comunicação”, são os aprendizes de feiticeiros deste quotidiano embuste em que vivemos. Mas estão todos bem uns para os outros.

Chamar a um novo plano de austeridade, o enésimo de há dois anos para cá, sempre precedido da mentira de que “não vai ser necessária mais austeridade”, mais uma vez sobre os funcionários públicos, os pensionistas e os que precisam de serviços públicos de saúde, educação, e outros, essa coisa obscura e neutra de “medidas contingentes”, não é também um insulto à nossa inteligência e, pior que tudo, uma ofensa aos que vão ser vítimas daquilo que o Governo chama “desvios na execução orçamental”, ou seja erros? A verdade, nua, bruta, cruel, dura, pétrea, é que cada vez que o Governo erra, há um novo plano de austeridade destinado a garantir que a mesma receita que falhou seja tentada de novo, com mais uns milhares de milhões retirados às pessoas, às famílias, à economia, para pagar uma obstinação, um beco sem saída ideológico, uma tese sem prova, uma abstracção intelectual, no fundo uma enorme vaidade sem perdão. Sócrates deitou fora milhões e milhões mal gastos e perdulários, Passos Coelho deita fora milhões e milhões para um vazio de arrogância, ignorância e vaidade, sem melhorar o défice, aumentando a dívida, sem se ver qualquer utilidade. Mas o dinheiro, antes como agora, foi para algum sítio.

E como aceitar o supremo insulto fruto de uma displicência que acaba por ser maldosa e arrogante, de se dizer que a recessão para este ano “aumenta de um ponto percentual”, como se passasse de 35,4 para 36,4, quando passa de 35,4 para 70,8, usando estes números imaginários para se perceber a enormidade do “ponto percentual” que significa errar por 100%, duplicar por dois uma desgraça, que passa a ser o dobro do que era, ou seja uma pequena coisa, “um pequeno ponto percentual”, como se fosse a coisa mais natural do mundo.

Os erros agora também se chamam “ajustamentos” e podem ser tidos apenas como a natural consequência da “dificuldade das previsões macroeconómicas”, que se tem que ir “ajustando” mês a mês. Mas os erros antes de serem “ajustados” acaso não foram instrumentos de combate político, fonte de afirmação de legitimidade, atirados contra todos os que suspeitavam da sua verdade e exequibilidade? Não tem importância, encontra-se uma estatística qualquer que mostra que estamos no “caminho certo”, mesmo que tudo esteja errado, e há sempre quem coma esta palha.

É tudo “ajustamento” porque os manipuladores das palavras entendem que, lá fora da sua janela do poder, tudo é plástico que se pode moldar, é tudo paisagem em que se pode plantar uma sebe alta para não ver o mais de um milhão de desempregados “em linha com o que estava previsto”, e colocar os portugueses numa jaula de ratinhos a correr para fazer experiências. E que tal cortar metade da comida a ver se eles se “ajustam” à “poupança” de só comer metade? Trinta morrem, quarenta ficam doentes, vinte ainda têm gordura para aguentar. Aguentam, aguentam, diz o tratador. Excelente, ficam dez por cento, a “selecção natural” funcionou e deixou-nos com os mais fortes, os que se “ajustam”, os “empreendedores”. Morreram alguns comidos pelos outros? Não há problema, sempre há ratinhos “empreendedores” e que não são “piegas”, e que mostram as virtudes do modelo.

No dia em que este Governo for corrido, pelo mesmo tipo de onda de rejeição que varreu o seu antecessor, só que agora do tamanho das ondas do Canhão da Nazaré, vai sair com a atitude daquele que diz: o último a sair que feche a luz e a porta, porque já não é connosco, “queríamos mudar Portugal e não nos deixaram”. E irão para os seus lugares de acolhimento confortável, já pensados e preparados, sem temor e sem tremor.

No entretanto, estragaram Portugal com a mesma sanha do filósofo de Paris, numa situação que vai demorar décadas para ser consertada, se é que tem remédio. Descaracterizaram o PSD como Sócrates fez ao PS, tornaram pestíferos os políticos em democracia e as instituições da democracia, destruíram a geração actual, a que tratam sobranceiramente como a dos “instalados” e querem desempregar para “ajustar” o preço da mão-de-obra, e hipotecaram a geração seguinte com a mesma antiga maldição da baixa qualificação, do provincianismo, do quotidiano de subsistência onde não há recursos para os bens materiais quanto mais para os “imateriais”.

Vão deixar-nos na periferia da periferia, como um país eternamente assistido por uma Europa para quem pagar ao seu bom aluno são trocos desde que ele se porte bem. Irá a ficará o BCE, a Comissão Europeia e o Pacto orçamental. Ficará um país medíocre e remediado, uma praia razoável para o Verão. Deles vamos herdar uma enorme colecção de invejas e ressentimentos sociais, que dividirão os portugueses entre si, aumentando ao mesmo tempo a apatia e a violência social.»

José Pacheco Pereira, in Jornal Público de ontem, dia 23 – 02 – 2013
(Foi mantida a ortografia original)

Publicado por: http://entreasbrumasdamemoria.blogspot.pt/2013/02/liberdade-onde-estas-quem-te-demora.html

 
Eis um drink que merece ser sorvido até à alma!