Os episódios rocambolescos da radionovela da crise
governamental continuam. As “crises” sucedem-se sem parar. Enquanto os
ganhadores das eleições sedem e descem dentro do governo, aqueles que eram uma
minoria sobem. Afinal sempre valeu a pena juntarem os poucos trapinhos a quem
tinha um guarda-fato substancial. Para isto serão necessárias eleições?
“Paulo Portas criou a
crise e depois apontou uma solução de superação na base do acordo feito com o
PSD, acordo esse que apresentou ao Presidente da República. Só que o Presidente
não aceitou os termos desse acordo e a crise continua."
"A minha incomodidade, a nossa incomodidade, é partilhada pelo comum dos portugueses que estão confrontados com uma situação financeira muito grave (...) e que de repente, de uma forma injustificada, são colocados perante uma gravíssima crise política e o fator dessa crise política é o demissionário ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros". (Miguel Alvim, in Notícias Ao Minuto de 14 de Julho de 2013)
"A minha incomodidade, a nossa incomodidade, é partilhada pelo comum dos portugueses que estão confrontados com uma situação financeira muito grave (...) e que de repente, de uma forma injustificada, são colocados perante uma gravíssima crise política e o fator dessa crise política é o demissionário ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros". (Miguel Alvim, in Notícias Ao Minuto de 14 de Julho de 2013)
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Este é o folhetim que mais apreciei durante a última
semana:
Tudo na cerimónia dos Jerónimos soava a falsa
inocência e a um falso desejo de redenção. Como se todos tivessem ido pedir a
Deus que fizesse desaparecer a última semana.
Quando descem à terra, os
governantes já estão habituados a ouvir vaias e apupos.
Mas domingo, na casa de Deus, o aplauso substituiu a
vaia. Para conforto do Presidente da República, Cavaco Silva, e do
primeiro-ministro, Passos Coelho. Mas não do apontado vice-primeiro-ministro,
Paulo Portas. Para ele, apenas silêncio.
Sendo que silêncio foi tudo o que os elementos da
trindade que nos governa tiveram para dar aos tristes que governam à saída da
Entrada Solene do novo Patriarca de Lisboa, domingo, no Mosteiro dos Jerónimos.
Nem uma palavrinha de consolo para a caixa das esmolas
dos repórteres. Mesmo depois do reconfortante e vigoroso aplauso ouvido sob a abóbada do mosteiro onde os pares da
república marcaram presença para ouvir D. Manuel Clemente.
Parecia que Deus tinha decidido dar refúgio aos
desembestados governantes que tinham passado a semana anterior em sonoras e
pueris dissensões, bem como ao Presidente que depois de atraiçoado pelos ditos
governantes os forçou a manterem-se juntos.
E o agora D. Manuel III dedicou à crise esta sentença:
“A concórdia começa nos corações, quando ninguém desiste de ninguém, seja em
que campo for.”
Mas, como dizia o poeta inglês John Milton, “É melhor
reinar no Inferno do que servir no Céu”.
E os passos e os gestos dos homens do poder nas naves
da igreja de Santa Maria de Belém denunciavam que o inferno da semana que
passou estava mais presente nos corações de Cavaco Silva, Passos Coelho e Paulo
Portas do que a concórdia que estava nas palavras de D. Manuel III.
Deus não aplacou o inferno da crise política nem os
homens que a provocaram se livraram da culpa por comparecerem, servis e
submissos, na primeira missa solene do novo patriarca.
Não, não foi a Igreja nem D. Manuel Clemente quem se
serviu dos políticos, domingo, nos Jerónimos. Foram os políticos que, pelo
exagero e pela forma ostensiva com que se apresentaram quiseram fazer constar
que Deus estava com eles – e por isso as chagas da crise iam passar.
Parafraseando São Paulo e a epístola aos romanos,
terão perguntado: Se Deus está connosco, quem estará contra nós?
Temível, a linguagem dos gestos falou mais alto do que
os silêncios. As câmaras de televisão e dos fotojornalistas revelaram como o
inferno está no coração da coligação, que se afirma a si própria como sólida,
confiável e pronta a durar.
Veja-se a imagem de Passos Coelho dentro da igreja,
depois da ovação. Cumprimenta efusivamente alguns convidados (entre os quais
Maria Barroso) sem olhar para o homem que designou vice-primeiro-ministro. É
Paulo Portas quem faz um ligeiro gesto e só então recebe um cumprimento seco do
primeiro-ministro.
No sábado, no momento do anúncio do novo acordo de
governo, o cenário fora o mesmo. Nem um aperto de mão selou a renovada
concórdia. Nem um olhar. Apenas um toque de Portas em Passos, ao qual este mal
reage. Durante a leitura do documento conjunto, mal se olham.
Regresso aos Jerónimos e à fotografia de Nuno Ferreira
Santos, capa do PÚBLICO: aí sobressai o sorriso de Portas para Passos, com o
sorriso de quem tem um brinquedo novo (o brinquedo é a política económica, as
relações com a troika e a reforma do Estado) enquanto Cavaco, o
Presidente, está em primeiro plano, mas desfocado, a aplaudir.
Ao lado de passos, Assunção Esteves, presidente da
Assembleia da República, contempla a cena. Durante a cerimónia será filmada a
trocar impressões com o primeiro-ministro, que lhe responde com uma expressão
de alívio.
Voltando a Paulo (a São Paulo) e à Epístola aos
Romanos: Se Deus está por nós, quem estará contra nós?
Não sendo certo de que lado está Deus, parece certo
que quem está contra o governo é o próprio governo.
E o aplauso? Porquê o aplauso que, como num circo
romano, designou como vencedores do dia o Presidente e o primeiro-ministro e o
omitiu o suposto vice-primeiro-ministro, que os analistas e comentadores dão
como vencedor desta contenda?
Afinal de contas, quem estava por eles? Por que
aplaudiram?
Talvez por estarem dominados pelo medo. Pelo medo do
colapso. E por terem visto neles os homens que “salvaram” a coligação e com
isso evitaram uma catástrofe. Terão demonizado, por omissão, o Paulo Portas
que, solícito, beijava a mão do novo patriarca.
Foi como um aplauso de fim de regime. De regime a quem
já só resta o medo do fim e a ilusão de o evitar. Talvez seja um medo
exagerado. Ou talvez o medo exagerado precipite o salto para o vazio.
Tudo na cerimónia dos Jerónimos soava a falsa
inocência e a um falso desejo de redenção. Como se todos tivessem ido pedir a
Deus que fizesse desaparecer a última semana. O beijo de Maria a Cavaco, que o
Presidente recebe com surpresa, os apertos de mão forçados, os sorrisos, os
olhares que se desviam, os guiões da cerimónia transformados em abanicos…
Um teatro do absurdo com uma missa em pano de fundo e
as paredes grossas de um mosteiro que não deixaram entrar o calor mas
conservaram a realidade do lado de fora.
Ali um regime e um governo tiveram a ilusão de
existir. E, como noutros tempos, foram pedir a Deus a legitimação que perderam.
Um aplauso fez-se ouvir. Mas não era Deus. Era o medo.
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