A escola pública de qualidade é mais importante
que a data de um exame
Quando alguém diz “Eu sou
a favor das greves…” segue-se, em geral, uma adversativa que precede a
explicação por que, desta vez, nesta data, neste sector e nestas
circunstâncias, a greve é socialmente injusta, moralmente ilegítima,
tacticamente errada ou políticamente contraproducente. As razões por que não se
deve fazer greve desta vez variam em género, em grau e em combinatória, mas o
resultado é sempre o mesmo: a greve é um direito inalienável dos trabalhadores
consagrado na Constituição da República Portuguesa, mas, na opinião das pessoas
que assim falam, deve ser usada apenas quando não possui absolutamente
inconveniente nenhum para ninguém.
Ora a greve não pretende
ser uma arma inócua. A greve é uma arma de último recurso, que se usa quando os
trabalhadores consideram que está em causa a defesa de direitos importantes –
seus ou da sociedade em geral – e quando já falharam as negociações. Se as
negociações são o momento da racionalidade e da discussão, de pesar ganhos e
perdas, de avaliar vantagens e inconvenientes de um lado e de outro, a greve é
o momento da força. A greve não é um recurso retórico. A greve é uma arma que
se usa numa situação de conflito e visa prejudicar o adversário, enfraquecer a
sua posição e, acima de tudo, mostrar a força que o lado em greve possui, para
regressar de novo à mesa das negociações e para conseguir chegar a um acordo
que satisfaça as partes. A greve pretende sempre ser uma chamada à realidade do
outro lado – que, frequentemente, pensa que pode dispensar os trabalhadores e
impor unilateralmente as condições que lhe convêm. Há uma razão prática que
limita o recurso à greve e que a torna, de facto, uma arma de uso excepcional:
os trabalhadores que fazem greve perdem o salário correspondente, o que,
principalmente em época de crise, não é algo que se aceite levianamente.
O argumento de que a greve
dos professores vai prejudicar os alunos e, por isso, não deve ser feita, é tão
pueril como dizer que as greves de transportes não devem ser feitas porque
prejudicam os passageiros e as greves de recolha do lixo não devem ser feitas
porque prejudicam os moradores. As greves prejudicam sempre alguém. É evidente
que os grevistas têm de pesar os prejuízos que causam em relação às causas que
defendem e aos benefícios que esperam. Não é aceitável que uma greve de
trabalhadores da saúde se salde por uma única morte que seja. Mas considera-se
que um certo grau de desconforto momentâneo da população é um preço aceitável a
pagar pelo direito a defender os nossos direitos. E são “os nossos direitos”
porque a greve não é algo que apenas os outros façam. A greve é uma ferramenta
que todos temos na mão.
É evidente que podemos ter
opiniões diferentes sobre a justeza de uma dada greve, mas são raros os que
acham que os professores não têm, no caso vertente, razão suficiente de
protesto, perante a tentativa de industrializar uma escola pública de baixo
nível para os pobres e proletarizar os professores. O prejuízo dos alunos? Essa
é a arma da greve. Nenhum professor deseja ou aceita que um aluno seja seriamente
prejudicado pela greve – além do incómodo decorrente de, eventualmente, repetir
o exame – mas essa é uma preocupação que, agora, o Governo deve assumir.
Havendo greve, tem de ser dada possibilidade aos alunos de realizar exames
noutras ocasiões, de forma a não os prejudicar. Vai ser uma grande confusão?
Provavelmente. Mas essa é, mais uma vez, a arma da greve. Essa é a pressão da
greve e, se não aceitarmos que uma greve possa dar origem a estas formas de
pressão, isso significa que não aceitamos o direito à greve. Nem o dos outros,
nem o nosso. Significa que, sejam quais forem as condições que nos imponham no
nosso trabalho, achamos que não devemos ter o direito de parar de trabalhar.
É evidente que existem nas
greves em geral, e também nesta, coisas irritantes. Além de alguma imaginação
nos protestos, teria gostado de ver no centro das intervenções dos professores
a defesa da escola pública, a defesa da qualidade do ensino e a defesa dos
direitos dos jovens (incluindo daqueles que deviam ser alunos e não o são) em
vez de quase exclusivamente os direitos dos professores – por muito que estes
sejam de prezar. Não é apenas um erro retórico: é um erro político de
consequências sérias. Seria importante aproveitar este momento para explicar de
que forma todas as medidas deste Governo põem em causa a escola pública
inclusiva e de qualidade que tem sido construída nas últimas décadas. Mas os
sindicatos dos professores estão demasiado centrados numa defesa estreita dos
direitos dos seus associados. É um erro político porque facilita à direita o
uso da retórica dos “privilégios” e da “resistência à mudança”. É um erro
político quando a greve e o “prejuízo dos alunos” tornam fácil a acusação de
“egoísmo” àqueles que são o principal esteio da escola pública e os principais
autores dos seus êxitos – que existem e seria bom lembrar nestes dias de greve.
José
Vítor Malheiros, in Jornal o PÚBLICO de 11 de junho de
2013
Fonte:
http://www.leituras.eu/?p=6537&utm_source=feedburner&utm_medium=feed&utm_campaign=Feed%3A+As-Minhas-Leituras+(As+Minhas+Leituras)
Ver também: Eixo
do Mal » Eixo do Mal SIC Noticias Programa do Dia
15-06-2013 (http://www.videosbacanas.com/eixo-do-mal-sic-noticias-programa-do-dia-15-06-2013/)
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