O tempo acaba sempre por levar os grandes projectos e
organizações humanas, incluindo as civilizações, ao seu fim.
As civilizações são sistemas
adaptativos complexos que funcionam em equilíbrio instável à beira do caos.
Colónias de abelhas e formigas, ecossistemas, o cérebro, a Internet, o mercado
de acções e os partidos políticos são também sistemas adaptativos complexos,
caracterizados por uma rede dinâmica de interacções em que os comportamentos
individuais e colectivos dos componentes se auto-organizam e adaptam às
condições internas e externas.
As civilizações são também sistemas caóticos porque
uma muito pequena perturbação pode, por vezes, conduzir a alterações profundas,
praticamente impossíveis de prever. Partilham o “efeito borboleta”, definido
pelo matemático e meteorologista Edward Lorenz quando formulou a pergunta: será
que o bater de asas de uma borboleta no Brasil pode conduzir a um tornado no
Texas?
O bater de asas constitui uma parte das condições
iniciais da atmosfera que, por meio de uma cadeia de eventos, pode gerar
fenómenos de larga escala. Um sistema é caótico se o seu comportamento for
teoricamente previsível mas praticamente imprevisível para intervalos de tempo
que não sejam muito curtos, devido a uma grande sensibilidade nas condições
iniciais.
A história das civilizações, das suas origens, evoluções e
interacções é o reflexo da imensa complexidade e capacidade de adaptação dos
sistemas humanos e naturais. Recuemos até ao final da Idade Média para tentar
interpretar o presente.
No início do século XV, a China sob a dinastia Ming tinha a
civilização mais evoluída do mundo, capaz de assegurar relativamente maior
bem-estar a uma parte significativa da sua população. A partir dessa época as
posições relativas da Europa e da China inverteram-se, devido, essencialmente,
ao desenvolvimento gerado pela competição, por vezes feroz, entre os
Estados-nação europeus, à descoberta do método científico, à medicina moderna,
à revolução industrial, à democracia representativa, ao direito de propriedade,
à legislação laboral e à sociedade de consumo.
Passados cerca de 500 anos, nos finais do século XIX, os países ocidentais
exibiam uma espectacular superioridade militar, económica, social e política,
liderada pela Grã-Bretanha. As grandes nações asiáticas interrogavam-se sobre
este enorme sucesso civilizacional e iniciavam um processo de descoberta,
análise e cópia dos elementos culturais e institucionais que o determinavam.
O primeiro país a entrar por esta via foi o Japão. Durante o reinado
do Imperador Meiji, de 1868 a 1912, o Japão copiou tudo, desde o vestuário à
democracia e ao hábito ocidental de conquista e expansão territorial, que
começou a praticar com a Primeira Guerra Sino-Japonesa de 1894-1895.
Seguiram-se os dois gigantes da Ásia, China e Índia, com ritmos e
ênfases diferentes na transposição dos elementos-chave culturais, sociais,
políticos e económicos do Ocidente. Na China, privilegiou-se a ciência e a
tecnologia, a sociedade de consumo e a legislação laboral e rejeitou-se a
democracia. Contudo, o sucesso económico foi extraordinário, sem equivalente na
História. O PIB cresceu por um factor de 10 em 26 anos, enquanto a Grã-Bretanha
levou 70 anos a crescer por um factor de 4 a partir de 1830.
A América Latina e a África evoluem no mesmo sentido. Caminhamos
para uma civilização globalizante com modulações culturais, políticas e
religiosas e diferenças de fase a nível regional e nacional. Será possível
continuar a aplicar este modelo de civilização ocidental a todos os países do
mundo até se atingirem os níveis de consumo e bem-estar médios dos actuais
países da OCDE? Haverá recursos naturais suficientes para atingir este
objectivo num contexto de uma população global que continua a crescer
vigorosamente? Creio que não.
Entretanto, o historiador Samuel Huntingdon adverte-nos que a
política global do século XXI será dominada pelo confronto de civilizações e que
as suas linhas de fractura serão as frentes de batalha do futuro. Não restam
dúvidas de que os EUA e a China se enredam numa rivalidade crescente que poderá
gerar um conflito armado mas, actualmente, ambos integram a mesma civilização
global.
As elites dos EUA vivem num permanente pesadelo de a supremacia
económica mundial passar para a China, provavelmente já em 2020, e analisam até
à exaustão tudo o que poderá fazer descarrilar a sua ascensão explosiva.
Simultaneamente, há no Ocidente sinais claros de declínio
civilizacional. A crise financeira e económica de 2008-2009 nasceu no cerne do
Ocidente, nos EUA, e deve-se, essencialmente, à desregulamentação dos mercados
financeiros, alimentada por uma ganância ferina e implacável e à crescente
escassez e consequente aumento de preços de alguns recursos naturais provocada
pela gigantesca procura nos países com economias emergentes, em especial a
China.
No que respeita ao primeiro factor, a situação actual caracteriza-se
por uma grande incapacidade política para recuperar da crise, especialmente na
União Europeia, que começa a dar sinais de desagregação. Curiosamente são os
EUA e o Japão, com fortes políticas monetárias expansivas, que estão a ter
algum sucesso na recuperação do crescimento económico, enquanto no continente
onde nasceu a civilização ocidental, a UE, agora comandada pela Alemanha, segue
uma política de austeridade que a está a levar para um declínio ainda maior.
No que respeita ao segundo factor, ele afecta todos os países do
mundo e resulta da aplicação global da civilização que nasceu no Ocidente. Na
China, há também uma forma de declínio civilizacional, mas de natureza
diferente, porque resulta da progressiva e dramática poluição do ar, da água e
dos solos provocada por um uso insustentável dos recursos naturais. Como
exemplo, note-se que se estima em 1,2 milhões o número de pessoas que morreram
prematuramente na China no ano de 2010 devido à poluição do ar.
Paul Ehrlich, o conhecido biólogo norte-americano, vai mais longe
num artigo recente intitulado “Poder-se-á evitar o colapso da civilização
global?” De acordo com Ehrlich, as razões do colapso seriam de natureza
ambiental associadas principalmente às alterações climáticas, à crescente
escassez de água e de outros recursos naturais, à perda de biodiversidade e a
uma poluição galopante do ar, da água e dos solos em algumas regiões do mundo.
Há vários exemplos na História de colapsos, ou seja, de situações de
grande perda da complexidade social, política e económica, acompanhada por uma
dramática diminuição da população, em que a degradação ambiental desempenhou um
papel importante, tais como a Suméria, os maias e a população isolada da Ilha
da Páscoa. Há também exemplos de grande resiliência civilizacional, sendo os
mais notáveis o Egipto e a China, que foram capazes de repetidamente recuperar
e reflorescer. A diferença no futuro é que o colapso seria de natureza
globalizante.
Estou convicto de que mergulhámos num declínio civilizacional global
com características circunstanciais diversas no Ocidente e nos outros países.
Creio ser possível, mas difícil, de o inverter mediante uma transição
civilizacional, mas estamos muito longe do colapso. Penso sobretudo que estão a
nascer novas gerações, cerca de 353 mil pessoas por dia, com a capacidade de
adaptação, a consciência, a vontade e a inteligência que têm caracterizado o Homo
sapiens. Temos de fazer florescer a nossa esperança.
Filipe Duarte Santos,
in Jornal o Público de 31/05/2013
Filipe Duarte Santos é professor catedrático da Faculdade de Ciências
da Universidade de Lisboa e autor de vários trabalhos sobre alterações
climáticas em Portugal e no mundo.