Natal Partilhado

 

Nasci em Angola (na cidade litoral de Benguela), e vivi lá toda a minha infância. Aos três anos fui viver para a bonita cidade do Lobito, também no litoral atlântico, e lá permaneci até vir para Portugal.

No Lobito durante vários anos, tive por vizinhas três meninas, a Manuela da idade da minha irmã, mais velha do que eu seis anos, a Quiti com menos um ano do que eu e minha companheira preferida de brincadeiras, e a pequena Inês, com menos três anos.

Por terem vários familiares a viver também no Lobito, uma avó, tios e o padrinho da Quiti, que gostava dela como de uma filha, a sua casa era muito afortunada, e as meninas recebiam muitos presentes e brinquedos pelo Natal.

Ao lado delas vivíamos nós, eu e a minha irmã com meus pais. Como não tínhamos familiares a viver nesta cidade (apenas três primos e os seus pais, meus tios em Benguela), apenas recebíamos um presente cada uma, dos meus pais, que era sempre recebido com muito agrado, grande euforia e felicidade.

Os presentes tal como é prática em algumas casas e em “terras lusas”, eram recebidos há meia-noite, na véspera do dia de Natal. Assim depois da missa do galo e após a meia-noite, era habitual abrirmos os presentes e invadirmos as casas umas das outras para comermos as guloseimas que quiséssemos. Depois era para nós obrigatório a partilha dos presentes recebidos, tendo todas a autorização dos nossos pais para brincarmos com os novos presentes, até à uma ou duas da madrugada.

Não me lembro de alguma vez sentir inveja e também nunca a notei na minha irmã, em relação ao número elevado de presentes recebidos pelas minhas vizinhas. O que realmente era importante e por isso habitual, era estes andarem de mão em mão com a maior das naturalidades entre todas nós, brincado euforicamente e misturando os brinquedos sem qualquer constrangimento de parte a parte. O que importava era a partilha e a brincadeira com os novos brinquedos durante aquelas horas felizes.

Todos os anos no Natal, os numerosos presentes das nossas vizinhas, eram simplesmente um dado adquirido, sendo estes esperados quer por nós, quer por elas com muita ansiedade, o que se repetia em todos os Natais. A compreensão desse facto era fácil, em primeiro lugar porque elas eram três e em segundo lugar porque os seus familiares eram mais do que os nossos, o que resultava como era lógico, num maior número de brinquedos.

Não me lembro também das minhas vizinhas se vangloriarem por terem mais brinquedos do que nós, ou de acharem que os nossos eram poucos. O que interessava era a partilha naquelas horas e nos dias seguintes ao Natal, o que me faz lembrar com muita saudade as minhas três vizinhas, a sua amorosa e numerosa família, e aqueles felizes Natais passados em Angola.

Passados muitos anos o hábito da partilha continua em mim, quase que a perpetuar aquelas brincadeiras de infância, havendo até um ditado popular que isso confirma, “O hábito faz o monge”. Afinal a felicidade só é realmente conseguida, quando partilhada!...

Albert Einstein dizia que “a compreensão de outrem somente progredirá com a partilha de alegrias e sofrimentos”. Como eu entendo esta simples, mas tão significativa frase… No entanto parece que essa Partilha é hoje incómoda para muitos e recebida com desconfiança, havendo até quem a confunda com vaidade, petulância ou intromissão.

E se nada mudar? Eu vou ter que conviver com este sentimento só dentro de mim? Até quando? A vida é curta demais, para se deixar para amanhã aquilo que deve ser feito agora!...

 

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