O Tarzan só existe no cinema, não na vida real!?...

"É preciso ler histórias de crimes e descrições de situações anárquicas para saber do que o homem é realmente capaz no que diz respeito à moral. Esses milhares de indivíduos que, diante dos nossos olhos, se empurram desordenadamente uns aos outros no trânsito pacifico, devem ser vistos como tigres e lobos, cujos dentes são protegidos por fortes focinheiras."
 
Arthur Schopenhauer, in "A Arte de Insultar".

«Aprender uns valores morais? Para quê? Não quero que me imponham o que acham que está bem ou mal. Não desejo ser dominado nem manipulado por ninguém. Na minha opinião, cada um de nós deve escolher livremente os seus próprios valores. Não aceito as pessoas que se armam em sabichões e que tentam impor aos outros o seu modo de ver a vida. Prezo muito a minha independência para me deixar influenciar por quem quer que seja».

São palavras de um jovem dos nossos dias. Manifestam uma mentalidade muito difundida na cultura atual: pensar que qualquer influência dos outros no nosso modo de pensar debilita a nossa personalidade. Por isso, entre outros motivos, a formação moral é vista com receio. Parece um modo de nos roubarem a liberdade e a independência. Ora, esta mentalidade é profundamente simplista e superficial ? e é muito pouco séria.

Toda a nossa existência está influenciada diretamente por aqueles com quem convivemos. Basta considerar o nosso crescimento desde que nascemos. Viemos ao mundo como o mais dependente dos seres vivos. Éramos incapazes de quase tudo durante vários anos ? e não sabíamos nada. Tivemos que aprender todas as coisas, começando pelas mais simples. Fomos influenciados diretamente por aqueles que estavam ao nosso lado.

O nosso desenvolvimento corporal não se teria efetuado sem a alimentação que outros nos proporcionaram. Algo similar aconteceu com a nossa inteligência. Não teríamos conseguido progredir na vida intelectual e moral se não tivéssemos sido ajudados pelos nossos pais, professores e amigos. Muita da experiência acumulada pelas gerações passadas foi-nos transmitida com toda a naturalidade. E nessa altura, nem nos dávamos conta de como toda essa “informação” influenciaria o nosso modo de pensar e, consequentemente, de viver.

Infelizmente, existem alguns exemplos na História da Humanidade de crianças “educadas” diretamente pelos animais. Penso que nenhum de nós inveja tal “educação” por estar isenta de influências e de imposições de “valores acumulados”. O mito do bom selvagem é isso mesmo: um mito. O Tarzan só existe no cinema ? não na vida real.

A pretensão de pensarmos de um modo totalmente independente procede do esquecimento ingénuo das nossas limitações como seres humanos. E convém recordar que não é por esquecermos as nossas limitações que elas desaparecem. É um triste erro considerar que o modo como pensamos deve ser alheio a toda a influência ou colaboração dos outros. É verdade que podem existir influências negativas. Mas é um reducionismo pensar que todas as influências o são. E é, muitas vezes, uma injustiça atribuí-las às pessoas em quem dizemos confiar.

Resumindo: receber dos outros ? pessoas que merecem a nossa confiança ? uma boa formação não pode ser identificado de modo algum com ser dominado ou manipulado por eles. Muito pelo contrário. A verdadeira formação, na qual se incluem os valores morais, torna-nos mais livres e menos manipuláveis. Aprendemos, com a ajuda de outros, a pensar com a nossa própria cabeça, e não a partir de “slogans” superficiais que estão muito difundidos.


Pe. Rodrigo Lynce de Faria, in A Aldeia (http://educacao.aaldeia.net/)


Nota do autor deste blogue: A televisão por exemplo inicia o público infantil na socialização e nela se faz a apresentação da criança ao mundo do consumo e vice-versa. Quando completa seis/sete anos e entra pela primeira vez numa sala de aula, a criança já chega mais ou menos socializada (pela cultura do consumo), mais ou menos educada (pelo consumo) e, pior, mais ou menos vacinada contra a educação que procura cultivar os valores éticos próprios de um projeto de democracia e de cidadania.
 
É pouco, muito pouco, o que o professor ainda pode fazer!…

No entanto, mesmo com muito pouco, tenho testemunhado uma educação para a perversidade, cada vez mais comum. É um tipo de deseducação que na prática se traduz pelo estímulo à fraqueza de caráter. E como aquilo que deseduca, também educa, teremos por certo daqui a alguns anos muitíssimos adultos naturalmente perversos. E tal como os primeiros hominídeos, passavam as formas de trabalhar os materiais de geração em geração, teremos nas próximas gerações, sem dúvida nenhuma, uma sociedade de valores cruéis ou mesmo sem nenhuns valores.

Será que já não é assim???...

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