As guerras e as revoluções
- há sempre uma ou outra em curso - chegam, na leitura dos seus efeitos, a
causar não horror mas tédio. Não é a crueldade de todos aqueles mortos e
feridos, o sacrifício de todos os que morrem batendo-se, ou são mortos sem que se
batam, que pesa duramente na alma: é a estupidez que sacrifica vidas e haveres
a qualquer coisa inevitavelmente inútil.
Todos os ideais e todas as ambições são um desvairo de comadres homens. Não há império que valha que por ele se parta uma boneca de criança. Não há ideal que mereça o sacrifício de um comboio de lata. Que império é útil ou que ideal profícuo?
Tudo é humanidade, e a
humanidade é sempre a mesma - variável mas inaperfeiçoável, oscilante mas
improgressiva. Perante o curso inimplorável das coisas, a vida que tivemos sem
saber como e perderemos sem saber quando, o jogo de mil xadrezes que é a vida em
comum e luta, o tédio de contemplar sem utilidade o que se não realiza nunca -
que pode fazer o sábio senão pedir o repouso, o não ter que pensar em viver,
pois basta ter que viver, um pouco de lugar ao sol e ao ar e ao menos o sonho
de que há paz do lado de lá dos montes.
Fernando Pessoa, in "Livro do Desassossego"
Fernando Pessoa, in "Livro do Desassossego"
Para aquele que aos olhos dos outros já tem muito, não
será pedir de mais?
Nenhum comentário:
Postar um comentário