"Critica o tolo, e ele te odiará, critica o sábio, e ele te amará."
A Amizade e o Amor Segundo uma Lógica de Bazar
Desconfia-se do que é dado e pesa-se o que se recebe. A amizade e o amor parecem gerir-se, por vezes, segundo uma lógica de bazar. Já nem é considerado má-educação perguntar quanto é que uma prenda custou. Se esse preço é excessivo chega-se a dizer que não se pode aceitar. Recusar uma dádiva é como chamar interesseiro ao dador. É desconfiar que existe uma segunda intenção. De qualquer forma, só quem tem medo (ou corre o risco) de se vender pode pensar que alguém está a tentar comprá-lo. Quem dá de bom coração merece ser aceite de bom coração. A essência sentimental da dádiva é ultrajada pela frieza da avaliação.
A mania da
equitatividade contamina os espíritos justos. É o caso das pessoas que, não
desconfiando de uma dádiva, recusam-se a aceitar uma prenda que, pelo seu
valor, não sejam capazes de retribuir. Esta atitude, apesar de ser nobre, acaba
por ser igualmente destrutiva, pois supõe que existe, ou poderá vir a existir,
uma expectativa de retribuição da parte de quem dá. Mas quem dá não dá para ser
pago. Dá para ser recebido. Não dá como quem faz um depósito ou investimento. O
valor de uma prenda não está na prenda - está na maneira como é prendada.
Hoje em dia, com a filosofia energumenóide e pseudojusta que impera, condensada
no ditado ‹‹There is no such thing as a free lunch» é praticamente impossível
oferecer um almoço a alguém. Todos os gestos de amor e de amizade são reduzidos
ao valor de troca, a uma mera transação em que é tudo avaliado, registado, saldado,
pago a meias e de um modo geral discutido e destruído até estar esvaziado de
significado.
Miguel Esteves Cardoso, in 'Último Volume'
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