Filhos, melhor não tê-los…

 
No imaginário popular, costuma-se associar a nobreza, a alguma linhagem de ‘sangue azul’. No livro de Sérgio Alberto Feldman,Amantes e Bastardos: As relações conjugais ou extraconjugais na alta nobreza portuguesa no final do século XIV e início do século XV”, fica-se a preceber o quão híbrido pode ser o sangue da nobreza portuguesa, no período tardio da Idade Média.


O casamento era uma aliança política, forjada de acordo com interesses estratégicos do reino, fosse para selar acordos de paz ou agregar terras. Enquanto isso, as relações extraconjugais eram o refúgio para o prazer.


“O verdadeiro amor ocorria fora do casamento e os filhos naturais eram às vezes mais amados pelos seus pais, pois eram o fruto de relações espontâneas e de fundo afetivo e não de meros casamentos cuja motivação era dinástica”, escreve Feldman.


No entanto em todas as sociedades houve sempre filhos legítimos e ilegítimos. Como todos sabemos os filhos legítimos são todos aqueles que nascem dentro do casamento de seus pais. Filiação ilegítima (sendo um termo em alguns países mais evoluídos hoje em desuso) porém designa a prole nascida fora dos laços do matrimónio.


Outros termos utilizados para definir tal relação entre pais e filhos, é bastardia, filiação adulterina ou filiação natural, sendo este último termo do ponto de vista humano, o mais aceitável de todos.


No Brasil, por exemplo, o termo foi posto deliberadamente em desuso na formulação do código civil, em vigor desde 11 de janeiro de 2003, pois é considerado discriminatório. Além disso, a legislação não prevê diferença nos direitos de filhos concebidos dentro ou fora do casamento. Em Portugal esta discriminação foi também abolida pelo artigo 36º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa de 1976, que proíbe a discriminação em relação aos filhos nascidos fora do casamento. Esta proibição originou uma alteração nas leis e consequentemente à consagração do tratamento igual para os filhos, deixando aos olhos da lei de existir filhos “ilegítimos”.


Os direitos e o estatuto legal dos bastardos foi variando em diversas culturas e em diversas épocas e em especial em diversas classes sociais ao longo dos tempos, parecendo ser nas classes mais baixas (por ignorância ou desumanidade), que o estatuto de filho ilegítimo teve sempre maior conotação negativa.


Nas classes mais altas, estes geralmente não tinham direito à herança dos pais ou das mães, mas frequentemente recebiam doações ou honras dos pais ou irmãos legítimos, ou os testamentos dos pais podiam determinar uma herança específica.


Em Portugal porém, desde o início da nossa nacionalidade, a classe dominante nasceu da “ilegitimidade”, uma vez que D. Teresa de Leão era filha ilegítima de D. Afonso VI de Leão e Castela com Ximena Moniz, uma nobre castelhana. Assim o Condado Portucalense foi herdado por uma filha ilegítima e o nosso primeiro rei D. Afonso Henriques, era neto ilegítimo do mesmo soberano castelhano-leonês.


Segundo Isabel de Lencastre, in Bastardos Reais, Os filhos ilegítimos dos Reis de Portugal, dos 32 reis portugueses, seis não tiveram filhos e, dos restantes 26, apenas D. Manuel I, o Venturoso, que se casou três vezes, e D. José, "muitas vezes enganado pela sua mulher", não tiveram filhos fora da alcova nupcial.


Daí que desde sempre as acusações de bastardia serviam sobretudo para retirar rivais do caminho das sucessões ou heranças dos pais. Entre outros casos, Isabel de Castela usou esta arma para afastar Joana de Castela do trono castelhano e Filipe I de Portugal (Filipe II de Espanha), argumentou a ilegitimidade de D. António, Prior do Crato, filho do casamento secreto do Infante D. Luís com a linda e rica cristã-nova, Violante Gomes e neto do rei D. Manuel I, para subir ao trono de Portugal.


Todavia, apesar de não terem regalias oficiais, os bastardos reais tinham deferência e proeminência face a titulares administrativos, militares ou eclesiásticos e desempenharam "posições de relevo na corte e no país", e alguns ascenderam mesmo ao trono, como D. João I (filho bastardo de D. Pedro I e de D. Teresa Lourenço, uma aristrocrata galega), décimo rei de Portugal que fundou a Dinastia de Avis.


A Casa de Bragança, a que pertence a última dinastia reinante em Portugal, tem ascendência na Casa de Avis, e, portanto também, na Casa fundadora da nação portuguesa - a Casa de Borgonha. D. João I é por isso mesmo um antepassado de D. Duarte Pio de Bragança, atual pretendente ao trono de Portugal e detentor atual do título de duque de Bragança, reivindicando direitos dinásticos sobre os títulos de Príncipe Real de Portugal e Rei de Portugal. Sendo, portanto, o chefe da Casa de Bragança e, por inerência, o chefe da Casa Real Portuguesa.


Porém os filhos bastardos do povo eram (e são ainda hoje) muitas vezes renegados, sedo-lhes negada por vezes a ascensão cultural, como foi no caso do maior génio da história da humanidade, Leonardo da Vinci, filho ilegítimo de um notário, Piero da Vinci, e de uma camponesa, Caterina, em Vinci, a quem foi negada uma educação formal e o estudo do latim.


Ironia do destino é que um grande número de “nomes sonantes” portugueses (ler o livro de Isabel de Lencastre, Bastardos Reais) que têm a pretensão de estar ligados à Casa Real Portuguesa, dizendo dela descender por laços de bastardia, descendam por sua vez de famílias, também elas com filhos naturais, a quem foi negada a todo o custo a sua legitimação.
 
Fonte: http://familia.sapo.pt/ http://cienciahoje.uol.com.br/ http://www.vidaslusofonas.pt/ http://www.infopedia.pt/ http://pt.wikipedia.org/ Isabel de Lencastre, Bastardos Reis, Os filhos ilegítimos dos Reis de Portugal, 1ª Edição, Oficina do Livro, 2012; Sérgio Alberto Feldman, Amantes e Bastardos, As relações conjugais ou extraconjugais na alta nobreza portuguesa no final do século XIV e início do século XV, 2ª Edição, Editora Edufes, 2008.

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