As crises, todas elas, são sempre mais
duras com os seres mais frágeis. Porque têm uma autonomia limitada ou porque
dependem fortemente de outrem, são eles as primeiras vítimas quando as coisas
abalam e as pequenas certezas do quotidiano começam a ruir. Se a pobreza, o
endividamento e a falta de perspetivas atingem cada vez mais gente, as crises
são particularmente madrastas para quem, à fragilidade económica, soma outras
vulnerabilidades. Como as relativas à idade, à orientação sexual ou ao grupo
étnico de pertença, entre outras.
Num patamar diferente, existe um outro
conjunto de seres que também sofrem com estes dias cinzentos que atravessamos:
falo dos animais domésticos. O Jornal de Notícias registava anteontem o
aumento do número de abandonos e de queixas relativas a maus tratos a animais,
nomeadamente por falta de cuidados de alimentação e alojamento. Nas palavras de
Maria do Céu Sampaio, presidente da Liga Portuguesa dos Direitos dos Animais,
“a situação tem vindo a degradar-se desde 2011. O ano passado foi caótico e
2013 está a ser pior”.1
Dados existentes apontam também para o
aumento dos casos de donos que vão depositar os animais ao canis municipais,
alguns deles com péssimas condições, ou às associações de proteção do animais,
muitas delas já sobrelotadas. Sabemos que não é de agora o abandono de animais
domésticos: é uma triste tradição que nos acompanha, com picos nas épocas de
caça ou no período de Verão. Mas mesmo aqui o quadro parece estar a sofrer
mudanças, com abandonos em outras alturas do ano e com as razões económicas a
ganharem cada vez mais peso. Os pequenos progressos que foram feitos na
perceção do cuidado que nos merecem os animais domésticos tenderão a regredir
num quadro como este.
Isto não diz só respeito aos bichos cuja
existência corre ameaçada. Nem apenas aos seus donos. Interessa a todos nós,
animais humanos. Em primeiro lugar, porque o aumento de animais errantes
significará riscos acrescidos ao nível da saúde pública. Em segundo lugar,
porque a nossa humanidade se constrói na exata medida em que nos relacionamos
de forma bem-sucedida com a alteridade e a diferença. Esquecer isso é abdicar
de uma parte de nós.
Por Miguel Cardina (in esquerda.net, opiniao | 25 Janeiro, 2013 - 01:10)
Miguel Cardina é Dirigente
do Bloco de Esquerda. Doutorado em História e investigador do Centro de Estudos
Sociais
1 Ana Carla Rosário, “Crise faz crescer abandono e maus tratos de
animais”, Jornal de Notícias,
22/01/2013
Ler mais em: <http://www.jn.pt/PaginaInicial/Sociedade/Interior.aspx?content_id=3007095>
Nenhum comentário:
Postar um comentário