Há textos que todos
deveriam ler, mas isso nunca acontece, talvez porque somos demais no Mundo, e a
cultura infelizmente não chega a todos da mesma forma, e também muitas vezes porque
os interesses são outros.
Sou desde há muito leitora
assídua do blogue,
http://belostextos.aaldeia.net
onde me deleito com os textos ali publicados. Aqui vos deixo um deles...
Muitos males da nossa época resultam de que não gastamos tempo em estar connosco mesmos, com os outros homens e
com a natureza.
Os homens possuem a capacidade de pensar, mas não têm tempo de exercitar o
pensamento. Poderiam pesar com sossego no seu coração as palavras, os gestos e
os acontecimentos: crescer por dentro. Mas falta-lhes tempo. Seriam capazes de
trocar sorrisos e de se ajudarem, de fazerem amigos, mas dedicam-se a outras coisas. Os homens correm…
Talvez suceda que para sobreviver neste género de sociedade se torne necessário correr… Mas ninguém repara em
que aquilo que estes homens-que-correm produzem é cada vez menos… humano?
(Aliás, mal há um pequeno progresso tecnológico são despedidos muitos deles,
porque aquilo que faziam são coisas que uma máquina pode fazer). Acontece que esta
descida de nível se nota nas leis, nos livros, nas canções…
Outrora, o homem tinha o seu pequeno reino – talvez pobre – onde era senhor.
Crescia por dentro, dono de ser quem era, domando uma terra que lhe resistia,
amparando-se em quem tinha ao lado, forjando laços, acariciando cordeiros e
oliveiras, ouvindo Deus no vento,
aquecendo-se ao fogo do lar.
E fazia canções e danças. E eram cheios de sentido as festas e os Domingos e as
palavras.
O homem não é agora de lugar nenhum. Não vive com os outros. Cria e quebra
laços com a facilidade resultante de esses laços não terem chegado a ser exatamente
laços, por lhes faltar conteúdo. É superficial em tudo. Corre…
É uma peça dentro de uma engrenagem que não é humana. Não tem o seu reino. É,
antes, forçado a buscar emprego como quem pede esmola. Será substituído ou
eliminado – como agora pretendem com a eutanásia – assim que deixar de ser
produtivo.
Trocou o seu senhorio por meia dúzia de atrativas comodidades. Disse qual era o
seu preço e vendeu-se.
Esvaziou-se. E ao esvaziar-se perdeu o sentido de todas as coisas. Transformou
o Natal em festa da família, e a família em antro de egoísmos. Do amor guardou apenas o prazer, desconhecendo agora que
coisa seja amar. E, por ter perdido o amor, olha baralhado para si mesmo e
pergunta pelo sentido da vida.
Mas o homem tem a capacidade grande de analisar e de escolher. O homem não é um
rio: pode regressar a lugares que ficaram atrás e apanhar do chão qualquer
coisa que deixou esquecida à beira da estrada.
Se voltarmos a entrar dentro de nós mesmos, é certo que teremos de novo as
cores de antigamente. Não podemos mudar tudo de um dia para o outro, mas há
passos que podemos dar. Podemos cortar naquilo que no trabalho é exagerado, prescindir de certas comodidades
(depressa compreenderemos que não nos eram necessárias), forçar-nos a tempos de
sossego connosco mesmos, com os que amamos, com a natureza. Calar a televisão.
Podemos descobrir o silêncio e tudo o que ele tem para nos dar. Podemos ler. E
dar um passeio – só com o objetivo de passear – embora nas primeiras vezes nos
sintamos a gastar tempo inutilmente.
E podemos experimentar a sério ouvir os outros. Ouvi-los mesmo, com interesse
verdadeiro em saber o que têm dentro, como quando namorávamos e cada palavra tinha
a importância de um monumento.
Paulo Geraldo
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