A genética discriminação das mulheres...

O mulherio, ainda

O desrespeito é uma forma de discriminação. 

Quando, no início deste mês, li a notícia sobre o afastamento de Dalila Rodrigues da Casa das Histórias de Paula Rego, a segunda coisa que me ocorreu foi: este descarado desrespeito só acontece às mulheres. A primeira foi mais óbvia e menos sexista: mais uma pessoa competente e com provas dadas a ser enxotada, não vá a sua competência fazer sombra a alguém. Num país pequeno por dentro (a grandeza dos países é coisa mental), o sol de um é sempre a sombra dos outros. Eu não gosto de ser sexista e gostava de não ter de responder que sim sempre que me perguntam sobre medidas de discriminação positiva para as mulheres na política. Gastei algum tempo da minha vida, que já vai adiantada para o que ainda quero fazer com ela, a lutar, num movimento de cidadania, por iguais direitos de parentalidade para homens e mulheres, porque me parecia - e continua a parecer, apesar de algumas alterações legais que conseguimos - que a paternidade deve ter exactamente os mesmos direitos que a maternidade. Um pai não é menos importante para o desenvolvimento de uma criança do que uma mãe. Mas a igualdade ainda não entrou na nossa cabeça.

Nas fotografias publicadas na imprensa sobre a tomada de posse do governo, só se viam homens - as cinco ministras ficaram fora do enquadramento. Apareceriam nos dias seguintes artigos biográficos sobre elas, sublinhando-lhes, consoante os casos, a beleza, a delicadeza suspeita ou o sindicalismo excessivo. Há anos que aguardo artigos sobre a beleza e a capacidade de sedução dos ministros de qualquer governo. O fenómeno não é só nacional: antes de Angela Merkel ser eleita pela primeira vez, li muito (em português, mas não só) sobre a sua vida privada, a sua falta de gosto para se vestir e até - inesquecível momento - as marcas de suor visíveis, certa vez, num vestido de gala. Repetiam esses artigos (alguns assinados por mulheres) que, por carência de atributos de sedução, a senhora não tinha carisma. Na Alemanha, já não se escreve nem se pensa assim. O inferno alemão do século XX serviu para alguma coisa, afinal. Os alemães aprenderam a lição que os países com uma história de ditaduras moles e sinuosas, como o nosso, demoram a aprender.

Apesar da coragem das nossas cinco ministras - é preciso coragem para ir contra a cultura instalada do poder dos homens, que se protegem mutuamente na defesa dos seus territórios e prerrogativas -, Portugal perdeu pontos, de 2008 para 2009, no que se refere à igualdade de género. As conclusões do "Global Gender Gap Index 2009", recentemente apresentadas no Fórum Económico Mundial em Nova Iorque, colocam o nosso país em 46º lugar (numa tabela de 134 países), o que representa uma descida de cinco posições em relação a 2008. Portugal sofreu uma quebra na igualdade de salários para a mesma função, bem como no acesso a cargos de topo nas empresas e na justiça. A liderar a tabela estão os países do costume: Islândia, Finlândia e Noruega. Países pioneiros, há muitas décadas, em medidas de discriminação positiva que geraram uma nova mentalidade.

Sempre que a economia entra em crise, a carreira profissional das mulheres é posta em causa: surge imediatamente uma miríade de 'estudos', por esse mundo fora, pretendendo provar que o futuro das crianças depende de terem a mãe em casa, 24 horas, ao seu dispor. Esses 'estudos' nunca se dedicam a contabilizar coisas tão simples e reais como o nível académico e a carreira profissional das mães e dos pais dos delinquentes juvenis - não convém, porque os resultados seriam exactamente opostos aos conseguidos através dos casos exemplares de mulheres que abandonam carreiras de astrofísicas para se dedicarem, abnegadamente, a alimentar o sucesso profissional do marido e o futuro radioso da prole. Uma análise estatística ao ambiente familiar infantil das grandes figuras do século XX, homens e mulheres, seria de extrema utilidade para desfazer o mito da boa mãe. Mas não convém à economia.

As mulheres que regressam a casa não contam nas estatísticas do desemprego. Depois criam-se mais uns 'estudos' declarando que as mulheres hoje se dizem mais infelizes do que na década de 70 do século passado. Claro que esses 'estudos' não contemplam a diferença entre as definições de felicidade de época para época. Quem nada espera menos desespera. O problema é que agora as mulheres têm o direito a ser tão infelizes como os homens. Felizmente.

Inês Pedrosa

Texto publicado na Revista Única, da edição do Expresso de 21 de Novembro de 2009

Ler mais: http://www2.unesp.br/revista/?p=2577 / http://cinemaeoutrasartes.blogspot.pt/2010/10/no-brasil-debate-sobre-questao-de.html http://expresso.sapo.pt/o-mulherio-ainda=f548330 (ler comentários)

Nota final: Haverá sempre descriminação em relação a mulher, pois aos olhos da sociedade existe e parece que existirá sempre um padrão a ser seguido, e quando não é seguido, é considerado inferior ou intolerado. Temos que parar de taxar as pessoas ou, nunca nos veremos livres da discriminação.

Nenhum comentário: